DUDA
Quando Marcelo sumiu na semana, o medo de ligar e cobrar veio à tona. Eu não conhecia o homem com quem havia viajado, só conhecia o desejo em comum que tínhamos.
Independentemente de qualquer coisa, ele era meu chefe. Se fôssemos para casa sem que nada acontecesse, ele seria meu chefe, se algo acontecesse, ele ainda iria ser meu chefe.
É muito difícil você se sentir bem depois de saber que o cara carinhoso que te envolve e que você se deixa envolver, é o tipo de homem misterioso que faz um dossiê seu, mesmo que ele use o termo "para segurança pessoal". Eu não estava aberta para aceitar totalmente esse tipo de atitude.
Marcelo foi excelente em tudo, até o dia da visita dos meus pais. Ele se transformou e por um momento achei que ele iria dar um sumiço, me esquecer logo depois de ter me convidado para seguir com ele... uma viagem que estava explícita quais seriam as intenções para cada um.
No fundo, eu sei que a mágoa por relacionamento ainda estava aberta, e que, depois daquilo tudo, eu não estava preparada para um relacionamento com ninguém. Mesmo que esse ninguém fosse meu chefe gostoso e rico que estava sofrendo com o mesmo tesão que eu.
Passei uma hora olhando para o mar, pensando em minha vida, de forma analista e tranquila. Relembrando os momentos que estive com Frank e as últimas semanas com Marcelo.
Senti-me invadida, sei lá, como se eu fosse uma criminosa e estivesse sendo observada de longe. Entendo que tem pessoas que fazem isso antes de ter algum tipo de relacionamento antes, no entanto, analisando bem, tentei ser a mais clara possível. Não tinha nada a esconder, muito menos estava envolvida com um outro para fazer mistérios. No fim, acho que nossa viagem melou. Afinal, não era pra ser... de verdade.
E com a decepção machucando meu coração, eu fiz uma pesquisa rápida pela internet, no meu celular, e busquei valores de passagens de volta para o Brasil.
— Três mil reais? — Engasguei.
Mesmo se eu parcelasse em 10 vezes, esse valor estava fora do meu orçamento mensal, o qual já tinha organizado e comprometido meu salário com muitas coisas até o fim do ano. E ainda tinha um detalhe muito importante: estava sem a porra do passaporte!
Bem, se ele me trouxe até aqui, óbvio que se eu quiser voltar depois da sua explicação, ele vai ter que me mandar de volta. Deduziu a garota sem um real no bolso.
Derrotada, não encontrei ânimo para entrar na casa. Não sabia como reagir depois do que aconteceu lá em cima.
De repente, senti um cobertor sendo colocado sobre meus ombros.
De fato, o tempo estava ficando frio, e já sentia arrepios pelo corpo.
— Eu fiz nosso jantar — ele disse, com calma, sentando-se ao meu lado. — Camarão e siri. Gosta?
Afirmei balançando a cabeça olhando para a tela do meu celular. Era Dufo e meu pai.
Marcelo ficou em silêncio por algum tempo. Não ficou ao meu lado para que eu sentisse que ele estava invadindo meu espaço, mas ficou atrás de mim, sentado, remexendo a área.
— Foi estupidez minha — ele disse, com calma. — Não sou de confiar muito nas pessoas.
— Estranho você dizer isso — falei com rispidez —, ainda mais para a garota que conheceu em poucos dias e a trouxe para uma viagem internacional para visitar sua nova casa.
Silêncio.
— Aconteceu antes do convite.
Por sorte, o mar estava agitado e o vento forte, isso fazia com que eu não escutasse tanto minha cabeça boba.
Marcelo se aproximou, sentando-se do meu lado. Ele olhou por um bom tempo a vista de sua casa. O mar da Florida, águas frias, naquele momento... escuras como os pensamentos dele.
Somos adultos e estávamos respondendo a desejos mútuos. No entanto, parecia que até para se aventurar estava sendo complicado.
— Não sou um homem de família — argumentou. — Passei uma infância difícil com meu irmão.
Eu me virei para ele. Marcelo continuava a olhar para mar, os olhos parados, tão frios e distantes quanto a profundeza mais severa daquele oceano.
— Sinto muito.
— Nossa mãe nos odiava e acabou abandonando a família de uma forma muito cruel — revelou com a voz um pouco emocionada. — Nosso pai trabalhava muito e... um dia ele foi dormir e não acordou mais.
— O que houve?
— Infarto.
Meu coração gelou. Foi dessa forma que entendi a urgência de Marcelo vir ao Brasil, seu irmão mais velho tinha o mesmo problema. E era claro notar que Marcelo fazia tudo para agradá-lo.
— Pulamos de casa em casa de parentes até conseguirmos nossa liberdade. Ricardo se formou em jornalismo e eu em arquitetura. Demos duro desde então, e prometi a mim mesmo que não passaria.
— O que você quer dizer?
— Que não queremos família. — Ele olhou para as mãos sujas de terra e as limpou, batendo uma contra outra. — Não quero um casamento, filhos... a união entre duas pessoas... eu não acredito em nada que dure para sempre.
— Você não acredita no amor? — Fiquei com medo da resposta, mas a pergunta saiu da minha boca mais rápida que o pensamento em não a fazer.
Marcelo olhou para mim, analisou meu rosto, ficou usando a mim como seu novo campo de visão, demorou até quebrar seu silêncio.
— Há alguns anos, eu conheci uma mulher que julguei ser excepcional. — Ele estava imóvel, me olhando. — Fiquei apaixonado. Parecia que eu estava me dando uma chance. Em poucas semanas estávamos em um relacionamento sério, no entanto, ela colocou o desejo de ser mãe e eu falei abertamente o desejo de não ser pai.
— E mesmo se ela tentasse sozinha...
— Não tinha como. Não comigo. Eu Fiz vasectomia quando ainda estava na faculdade.
— Ah. Quem era a mulher, uma amiga sua... alguém que você já conhecia há algum tempo?
Ele negou.
— Uma funcionária do meu irmão. Foi preciso colocar um fim por questões de planos. Mas no dia seguinte ela chegou com um teste positivo de gravidez.
Foi como sentir espinhas de peixe na garganta. Fiquei de pé. Marcelo percebeu e se levantou também.