XXVI

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O despertador estava tocando em algum lugar do quarto, mas Harry não conseguia desgrudar seus olhos cansados da janela na qual mostrava o céu começando a ser iluminado pelo sol.

Era um momento meio poético, honestamente. O nascer do sol, como se fosse uma nova oportunidade para as coisas serem diferentes. O celular estava em sua mão e o nome de Gemma brilhava na lista de contatos, Harry passou horas considerando ligar e dizer que ele não iria estar no voo para Londres, ele não poderia. Alguma coisa relacionada ao trabalho ou outra emergência. Era só ligar. Só ligar. Ele estava parado naquela posição já fazia horas, criando coragem.

Gemma entenderia, é claro. Ela sempre entendia. Mas, merda, ela acreditava fielmente em Harry, acreditava que ele estava melhor e curado de alguma forma após ter ido embora de Londres. Ele não podia fazer aquilo com ela, não podia desapontar a sua família. Harry devia muito a eles, sua melhora era graças a eles também. Liam conhecia Harry melhor do que ele mesmo porque Liam aprendeu a ler e entender Harry com os anos de convivência, e Harry não sabia o que teria sido dele durante aqueles anos sem Liam ao seu lado, sendo seu irmão. Mas Gemma? Gemma não precisava conviver com Harry para conseguir compreendê-lo, elas apenas o fazia. Era natural a forma que as coisas aconteciam entre eles, a forma que Gemma o protegia e pararia sua vida por Harry.

Era aquilo, o motivo que impedia Harry de realizar aquela ligação. Gemma iria entender e moveria todas as montanhas para conseguir deixar Harry feliz e confortável apenas para tê-lo por perto naquele momento. Ela provavelmente iria ignorar suas próprias vontades e mudaria todo o planejamento apenas por Harry. Não. Ele não poderia ser egoísta daquela forma. Aquela celebração não poderia ser sobre ele.

Ele estava bem. Quer dizer, realmente bem. Houve épocas piores, sinceramente. Mas Harry não se incomodava tanto com aquelas recaídas naquela altura de sua vida, ele até as apreciava dependendo do momento em que elas se juntavam a ele e seus pesadelos. Seus próprios sentimentos em relação ao passado faziam Harry se sentir humano, de certo modo. Ele não poderia viver constantemente em uma linha reta, em um trilho que iria apenas para cima, Harry sabia que precisava cair um pouco para entender e lembrar que ele estava vivo e estava bem. Mas ainda assim, mesmo entendendo a si próprio, encarar seus fantasmas do passado ainda era aterrorizante.

Cada memória e cada trauma formaram a pessoa que estava encarando a janela atualmente, e Harry gostava daquela pessoa (nem sempre, às vezes ele queria poder tirar férias de si mesmo), então ele não poderia ser um idiota egoísta e foder com tudo o que construiu naquela altura. Harry devia muito a eles.

Passos no corredor o despertaram de sua crise interna. Liam estava acordado, é claro, e provavelmente estaria terminando de arrumar as coisas para eles pegarem o voo daqui duas horas. Sempre o mais responsável entre eles, algumas coisas nunca mudam. Eles iriam passar um tempo com a família, além do casamento de Gemma também teria o natal e o aniversário de Harry, então porquê não juntar tudo? Era assim que a família de Harry pensava, sempre transformando as coisas em um motivo para celebrar. Ele os amava muito, sério, mas Harry havia ficado um pouco mais rabugento e quieto com o tempo, sendo um adulto introvertido e impaciente. Não era algo que o orgulhava, embora, mas era apenas ele.

Ele bloqueia a tela do celular e desliga o despertador — que tinha o formato de uma lata de cerveja, Niall achou totalmente hilário quando comprou a dois anos e lhe deu de presente — ao lado da cama antes de iniciar sua rotina matinal. Liam estava preparando o café da manhã, que consistia em torradas e chá, quando Harry aparece na cozinha já devidamente vestido e pronto para retornar ao inferno. Ele ainda era dramático, apesar de tudo. Marvin estava ali também, usando uma camiseta de Liam enquanto olhava-o fazer o chá com os olhos encantados.

Harry revira os olhos para os dois. Desde que Liam amoleceu a casca e deixou que Marvin o levasse para jantar, Harry o viu constantemente fora das salas de aula, até mesmo após se formarem. Ele estava feliz pelos dois, obviamente, Liam pegava menos em seu pé quando Marvin estava por perto o paparicando. Mas ainda assim, argh! Harry nunca havia visto um casal tão meloso e grudento igual os dois.

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