13 - Brincadeira

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Parado ao lado de Kayko, olhando novamente para aquele velho e decadente letreiro de néon, lá estava Ben, esperando o portão da White Moon ser aberto.

Naqueles minutos em que aguardava sua passagem ser autorizada, um rio lamacento e lamentável de memórias se alastrava vívido e claro sobre a sua vista. Como se estivesse acontecendo agora, naquele exato momento, centenas de cenas, que ele prometeu a si mesmo não reviver, estavam lá.

Era como uma história narrada por outra pessoa, e ele como um espectador puro e simples, se viu em diferentes fases da sua vida.

Primeiro, se viu um menino, pequeno e inocente, tendo o seu primeiro vislumbre de uma mesa de jogos de cartas. Lembrou se dá sensação alegre de poder se sentar com os adultos, de poder mexer naquele bonito e decorado baralho.

Aqueles homens, todos de alta patente no exercito, se reuniam com frequência com seu pai, jogavam durante horas, envoltos por copos de saquê, garrafas de vinho e charutos, que não agradavam o olfato infantil e sensível do pequeno Ben.

Mas para esse menino, o fumo desagradável dos adultos, era irrelevante, desde que ele pudesse se juntar a eles e vê-los jogar.

Não demorou para que Ben entendesse como aquele jogo funcionava e começasse a insistir para fazer parte da brincadeira, como assim, ele julgava que aquele tipo de reunião era. Um brincadeira que os adultos faziam.
Logo, general Raika, permitiu que o menino, participasse, no início, ele apenas embaralhava as cartas, um pouco depois, passou a ajudar a distribuí-las, e não demorou, até que permitiram que ele jogasse.

O general, não demorou a perceber o quanto o filho era bom naquela atividade, e cada vez mais, o jovem aprendeu, e aperfeiçoou cada tipo de jogo.

Poker, Black Jack, Gim rumey e Spite and malice.*

Se um jogo de cartas podia ser jogado, Ben era capaz de joga lo. E ele se mostrou um talento esmagador em todos eles. Passou a ser disputado pelos velhos senhores de traje militar, era o centro das atenções nas mesas.

Como a criança que era, sentia se orgulhoso de si mesmo. Gostava de ser visto e admirado jogando, principalmente por seu pai.

Ele se sentia o rei.

O rio das visões se alterou repentinamente, dessa vez, mostrando um Ben adolescente.

Agora, ele se via nas mesmas mesas de cartas, as noites virando dia, enquanto os militares mergulhavam em bebidas e jogatina. E ele ainda amava cada minuto de ter uma carta nas mãos.

Em uma dessas ocasiões, tudo o que ele gostava ali, ruiu. Ele ainda era só um garoto, mas aquela mesa estavam sentados homens importantes demais, tão importantes quanto seu próprio pai, que não pensou duas vezes, em apostar alto no jogo do filho, e quando esse mesmo filho perdeu, o que antes era só uma brincadeira para Ben, se tornou algo azedo e desprezível.

Depois que todos saíram, e que o jogo acabou, se iniciou para Ben, uma cruel e insuportável surra.

Aquele não foi o único espancamento pelo qual Ben passou nas mãos do pai, mas sem dúvida, foi o pior.

O ódio, desprezo e a ira que inflamavam os olhos do general, se distribuíam em fortes e duros golpes de férula*, contra suas mãos, costas, rosto e tronco. E a cada pancada desferida, diversos xingamentos e ofensas eram proferidas juntas.

"Bastardo imundo!"

" Como ousa me humilhar assim?"

" Seu sangue é podre e inferior como da cadela da sua mãe!"

" Lixo estúpido!"

Ben não sabe quanto tempo se passou naquela torrente de violência, mas dali em diante, uma coisa se tornou clara e límpida.

Ele não jogaria mais, não importavam as circunstâncias, jogar não era mais uma brincadeira.

Agora, revisitando todas essas lembranças, o rio de imagens que as trouxe, se dissipava, ao som do portão da White Moon, se abrindo para ele.

Que prometeu a si mesmo, que nunca mais jogaria, e agora estava ali justamente para isso.

E ainda com a responsabilidade de salvar a pele de Kayko.

*Gim rumey- buraco americano.

* Spite and malice - Parecido ao jogo paciência.

* Férula - Um tipo de palmatória.

Dirt Game  ( Lgbtq+)Onde histórias criam vida. Descubra agora