47- Monalisa.

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Rostos chocados ao extremo denunciavam que a cena a seguir não era algo corriqueiro ou fácil de se ver.

Makino e Tanzo já trabalhavam a tempo suficiente na polícia para se chocar com algo, porém, nem mesmo eles, com seus longos anos de experiência, estavam preparados para o que veriam.

O dia ganhava seus primeiros raios de um fraco sol de inverno, quando os dois detetives chegaram a região de Pearl, na parte do pequeno bairro onde à alguns anos oficinas mecânicas se amontoavam entre lojas de carros usados. Agora, todo aquele lugar nada mais era do que um apanhado de lojas e galpões vazios, onde invariavelmente transações escusas aconteciam entre membros de gangues.

Mesmo antes de se aproximarem do velho galpão, que outrora foi uma das oficinas mais disputadas e frequentadas do lugar, já podiam ver a comoção de alguns policiais.
Alguns estavam catatônicos, os rostos vazios e assombrados. Outros, incluindo o chefe de polícia, mantinham uma expressão branca como papel, absolutamente estupefatos.

Ultrapassando a faixa de segurança que cercava a entrada do lugar, mantendo alguns curiosos e alguns repórteres afastados, Makino e Tanzo chegaram aos portões do galpão, sendo imediatamente abordados pelo chefe.

- Vocês estão atrasados._ O velho chefe falou, mas dessa vez, sua voz não trazia o costumeiro tom de irritação e grosseria.

Ela trazia um pânico contido. Algo que pela primeira vez o chefe deixava transparecer.

Este os acompanhou até dentro da instalação de aço e madeira, onde dois peritos já haviam iniciado seus trabalhos, fotografando tudo o que ali estava exposto.
Refletores portáteis iluminavam o lugar, e passo a passo Tanzo e Makino entendiam os rostos que encontraram do lado de fora.

O cenário parecia saído de algum filme de terror, ou talvez ali fosse algum tipo de açougue clandestino.

Era essa a primeira impressão que se tinha ao analisar rapidamente tudo o que se estendia a visão dos dois detetives.

Makino tirou do bolso interior do casaco de linho sua carteira de cigarros, tirando um deles da embalagem cinza, o acendendo. A fumaça turva e de cheiro tão característico inundou as narinas dos que ali estavam, e sem nada dizer, apenas tragando e expelindo o tabaco, o detetive se aproximou do corpo que naquela cadeira se encontrava.

Percorreu os olhos pelos tornozelos amarrados, inchados e arroxeados, subiu o olhar vagarosamente, vendo a cintura bem presa a cadeira por uma grossa corda.
Um silêncio sepulcral pairava no lugar, sendo ligeira e constantemente interrompido pelos passos de Tanzo a pisar no chão molhado de uma mescla de água e sangue.

Makino tragou novamente, sem tirar o cigarro dos finos lábios. Fixando dessa vez sua visão no rosto sem vida e de olhos vidrados de Guinlé.
A boca estava entre aberta, com uma mancha grossa de sangue recém escorrido. No pescoço, a marca da degola era tão profunda, que parte da traquéia era possível ver.

Não bastasse essa grotesca cena, logo atrás do corpo amarrado, fincada a parede, por uma faca de cabo trabalhado em marfim, estava ela, a língua de Guinlé.

Os detetives se juntaram a olhar aquele bizarro e horrendo detalhe, analisaram a faca com cuidado e bem de perto, sem claro tocar o objeto. Trocaram um olhar, afirmando sem usar uma palavra se quer, que aquilo era um aviso e um deboche para a polícia.

- Como isso pôde acontecer?!_ O comissário falou, aproximando se dos dois homens parados um a cada lado da faca.

Tanzo sentiu uma culpa sem precedentes se formar em seu interior, ele havia falado com aquele homens horas atrás. Se ele não estivesse cego e frustrado pelo plano fracassado, talvez aquele homem ainda estivesse vivo. Sendo assim, ele não tinha palavras para responder a pergunta do seu superior.

Makino, tão ou mais decepcionado com o rumo dos acontecimentos dos últimos dias, teve em seu pequeno silêncio a oportunidade para que o chefe voltasse a falar, desta vez recompondo sua famosa irá.

- Me digam alguma coisa!

Entretanto, para os dois homens, não havia nada a dizer. Eles tinham a ajuda de Guinlé, eles planejaram e usaram aquele homem em um plano falho. E no fundo os dois sabiam que aquilo poderia acontecer, sabiam que deixa lo após tudo o que houve, após os quatro cantos da cidade saberem que ele estava a ajudar a polícia, era como pintar em suas costas um alvo.

A raiva e impotência que ambos sentiam agora, era culpa não somente da língua grande do calvo homem, como também da teimosia e insatisfação dos detetives.

Makino afastou se da parede, começado a vagar pelo lugar, cabeça baixa, olhar perdido, seu silêncio e caminhar sendo observados por um comissário irritado e um Tanzo visivelmente abalado.

Porém, embora seu rosto mostrasse nada além de um semblante inexpressivo, Makino sentia seu cérebro trabalhar a todo o vapor.

Novamente se aproximou do corpo, ordenando a um dos peritos, que se aproximassem dele.

- O que vocês já tem em mãos?_ perguntou ao homem magro e de olhos cansados.

- Temos algumas digitais e um fio de cabelo que não parece pertencer ao morto. Mas só saberemos com certeza após análise._ O perito disse a Makino.

- O fio de cabelo é longo?

O perito estranhou a pergunta tão específica, mas tratou de responder rapidamente ao encontrar os olhos frios do detetive.

- Sim, é longo.


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