20.

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DAY

Carol insiste em vir atrás de mim me dizer as coisas mais lindas que eu sei que são sinceras, mas ela não disse nenhuma vez o que eu preciso ouvir pra abrir a porta. Outro dia eu arrisquei olhar pelo canto da janela, atrás da cortina e vi que ela ainda usa sua aliança. Eu já esperava, eu já sabia. Ela quer me manter aqui como a outra, pra que eu satisfaça todos os desejos que a Fernanda não pode mais satisfazer, mas nunca serei o suficiente porque ela acha que é a Fernanda quem tem seu coração porque elas têm uma maldita historia. Eu não posso lutar contra anos de história. Eu só pude tentar mostrar pra ela tudo que ela pode sentir em tão pouco tempo, a intensidade de algo vital como a paixão que sentimos uma pela outra, mas não foi suficiente pra ela enxergar que sou eu. Não é mais a Fernanda, sou eu.
Burra! Cega do caralho!
Eu não posso fazer mais nada. Deixo ela insistir até que ela desista e seja feli ao lado da mulher dela com aquela relação morna. Um desperdício viver uma vida a base de algo morno, nas minhas veias o sangue é quente, ele não corre, ele pulsa. O que eu quero eu não deixo pra amanhã, quando quero algo eu simplesmente vou até o fim, derrubo tudo que esteja pelo meu caminho, eu não largo as coisas que a vida me dá nas mãos do tempo, ao relento. Eu não acho que as pessoas que fazem isso sabem viver.

Todo mundo fala que sonha viver um grande amor, mas poucos tem o colhão necessário pra viver um. As pessoas pensam que o verdadeiro amor vem fácil, tudo é lindo do início ao fim, quando na verdade o grande amor vem travestido de dor, se a gente não lutar pra que ele seja luz ele será sempre dor até se tornar escuridão. Eu não desisto de lutar enquanto houver chances, até mesmo agora, quando eu pareço ter desistido, eu ainda estou tentando. É minha carta final: ela precisa saber o que é me perder. Se isso não for suficiente pra ela enxergar tudo e tomar coragem pra fazer o que tem que ser feito já era. Estou na minha última cartada mas infelizmente a vez de jogar é dela. Eu só posso assistir e tenho zero ideias de como será o fim desse jogo.

Por enquanto eu sigo tentando refazer a minha vida. Tenho voltado a fotografar, tem me feito muito bem. Eu saio em períodos diferentes do dia em busca de algum clique que me ajude a expressar tudo isso que ando vivendo, essa impotência. A arte sempre vem pra aliviar uma angústia, seja ela qual for, a arte é quando algo dentro da gente transborda.
Hoje me empolguei pela Paulista tirando fotos do nevoeiro que sumia com os arranha-céus, as pessoas encapusadas mais apressadas do que o custume, perdi um longo tempo brincando de soltar fumaça pela minha boca pra conferir o tanto que faz frio essa noite. Quando me dou conta já passou das onze e meia da noite. Sei que eu deveria pegar um Uber mas esse clima está tão gostoso que eu decido ir andando até o estúdio já que estou há poucas quadras.
Assim que avisto o estúdio vejo o carro de Caroline.
Meu coração dá um pulo doído.
Mas que porra essa menina tá fazendo aqui a essa hora?!
Olho pra janela e vejo a luz acesa.
Não acredito que Aninha esqueceu a luz acesa! Carol está lá porque viu uma luz ligada e pensa que estou lá, é claro!
Chego mais perto devagar, o vidro do carro está completamente embaçado, então eu arrisco chegar mais perto.
Não vejo nada mas escuto o rádio ligado.
Junto a manga do casaco na mão fechada e passo no vidro.
Carol dorme.
Meu coração acelera de um jeito tão idiota que eu sinto raiva de mim mesma.
Encosto as duas mãos no capo do carro e abaixo meu corpo o suficiente pra encostar minha testa em meu braço. Fito o chão e penso no que fazer.
Está fora de cogitação deixar que ela durma sozinha na rua, mas eu também não posso simplesmente chamar por ela e mandar ela embora.
Que merda, Caroline!
Não vendo outra saída eu acabo batendo no vidro.
Ela acorda assustada.
- DAY!
Ouvir sua voz dizendo meu nome naquele tom de desespero faz meu corpo entrar em colapso.
Ela se apressa a abrir a porta.
- Você tem o que na cabeça pra dormir na rua?
- Pensei que você não fosse me atender nunca mais.
Eu olho pra ela, ela está com um casaco de lã mais fino que um pano de chão, em trinta segundoa de porta aberta o queixo dela começa a bater.
- Vem, entra. Você precisa de um casaco mais grosso pra conseguir voltar pra casa.
- Day, eu...
- Vamo entrar primeiro.
Ela me segue em silêncio.
Ao abrir a porta do estudio, pra minha surpresa, aninha esta jogada no sofá comendo miojo.
- Mas que porra tu ainda tá fazendo aqui, Aninha?
Carol olha pra mim incrédula.
- Oi, Day! Ué, não fui embora porque tava cuidando da tua ruiva que cismou de dormir no carro, eu ia embora e deixar ela sozinha? Tu ia me matar!
Realmente. Não tenho como discordar.
- Carol, essa é a Aninha, minha prima.
O rosto de Carol se ilumina.
- Oi, Aninha!
- Oi, Carol! Tu canta bem, hein?!
Carol abaixa a cabeça e eu fico olhando de uma pra outra pra tentar entender o que eu perdi.
Aninha entendendo que eu não sei do que elas estão falando completa:
- Dessa vez ela trouxe o violão. Perdeu, ela cantou aquela da novela "Por Amor".
Vendo que eu não tenho a menor ideia de qual novela ela está falando ela comenta:
- Ah, esquece! Você não tem idade pra isso! Mas a ruivinha manja do que é bom. Old but gold, baby! Mandou bem!
Carol sorri com as bochechas vermelhas e agradece.
Aninha, sem limites, continua:
- Depois ela tocou a sua música preferida da Ana Carolina, mas foi só um trechinho depois ela se enfiou dentro do carro e dava pra ouvir o choro dela daqui de cima.
Eu encaro o tapete. Não posso olhar pra ela. Meu coração não aguenta.
- Bom, vou pedir meu Uber agora que vocês duas se acertaram, amanhã te ligo pra saber como foi a noite!
- Aninha?!?
Minha prima é um amor, parceira pra caramba, mas tem zero filtros.

Assim que ela sai eu me viro de costas pra Carol em direção do quarto improvisado que aprontei.
- Senta, vou buscar o casaco.
Meu peito está prensado entre a vontade de abraçá-la e o pavor de sentir como é bom tê-la em meus braços novamente e depois vê-la partir, como toda vez.
Dayane, se controla!
Volto com ele nas mãos e encontro Caroline meio pálida demais.
- Carol, você tá bem?
- Si-sim, só... Tô com fri-frio.
Eu a enrolo no casaco e percebo sua pele gelada demais pra quem já está dentro de casa ha algum tempo.
- Você não tá bem pra dirigir pra casa hoje. Dorme aqui. Eu durmo na outra sala.
O queixo dela volta a bater de leve e eu não sei mais a essa altura se é de frio ou de nervoso pois o meu começou a querer chacoalhar também.
Carol pega seu celular e começa a digitar, rapidamente ela termina e o desliga.
- Você pode dormir aqui perto de mim? Eu durmo no chão e você no sofá, não tem problema, eu só não quero ficar longe de ti.
Sei qual é a dela. É a minha também. Mas sei que não posso deixá-la sozinha passando mal. Então eu digo a mim mesma que eu só vou dormir perto dela porque estou preocupada com essa tremedeira.

Me deito no chão e a deixo no sofá.
Ela derruba seu braço esquerdo perto de mim. Seu polegar toca meu braço e o roça. A sensação do toque dela novamente é algo que nem em cem anos eu conseguiria explicar.
E, de repente, ela começa:

"Mas guardei tuas cartas com letras de forma, mas já não sei de que forma mesmo você foi embora"

Meu coração bate fraco, tão fraco que eu sinto medo dele parar a qualquer momento.
Essa música não. Essa mulher não. Essa noite não.
Viro de costas pra ela e espero que ela entenda o recado.
As lágrimas escorrem.

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