32.

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DAY

Ouço a voz de Caroline e meu corpo sente um tranco enorme.
Um alívio sem fim me acerta em cheio quando me vejo sentada no meu sofá.
Foi um sonho.
Que sonho mais louco!
A sensação de liberdade que senti no sonho ainda é latente.
- Bom dia, bela adormecida.
- Alê? Que cê tá fazendo aqui?
Alessandra vem do banheiro passando um cotonete na orelha.
- Eita, o porre foi mesmo bravo.
Ela senta na poltrona na minha frente e começa a limpar a outra orelha.
- Não me lembro de nada da noite passada.
- Absinto.
Meu corpo gela. Será que tudo aquilo realmente aconteceu? Não pode ser.
- Onde nós estávamos?
Ela para de cutucar a orelha e apoia os cotovelos nas pernas, chegando mais próxima de mim.
- Day, cê tá me assustando.
- A gente foi mesmo no M&M?
- Sim... Você não lembra? Cantamos e tudo. Aliás, não tinha ideia que você sabia cantar, tava escondendo o ouro...
- Perfect Illusion.
Ela sorri aliviada.
- Agora sim!
Meu Deus... Aconteceu!
- E... Hm... E a Caroline?
Pela cara de Alessandra ao ouvir minha pergunta eu já sei.
- O que tem sua Carol?
- Ela não apareceu no final da música?
- Que eu saiba não. Day, o que tá acontecendo?
Minha cabeça embaralha.
- E Isadora?
- A sua Isadora tava lá também na sua viagem?
- A mulher de vermelho com o cara esquisito.
- Day, te deram alguma coisa? Você bebeu alguma coisa de outra pessoa? Você não tá fazendo sentido e eu tô começando a ficar preocupada.
- Eu, eu não sei... Soa como uma bad trip, né? Não sei...
Vasculho minha memória e não me vem nada à cabeça.
- Soa.
- Eu não lembro como chegamos lá. Como foi?
- Você me ligou, disse que tava indo pra lá, que iria me esperar. Quando eu cheguei você tava bebendo um gin.
De repente uma parte da minha memória volta.
- SIM! Eu tava bebendo gin! Foi de uma admiradora secreta! Uau... Uma admiradora secreta? Que estranho!
- Meu... Tinha algo no teu drink!
- Não, era só uma tiazinha que tava sentada lá perto de mim sem coragem de vir falar comigo.
- Day, faz todo sentido. Isso explicaria tudo que tu fantasiou, as falhas de memória, tudo.
Realmente faz sentido, mas como uma senhora, uma mulher, seria capaz de uma coisa dessa? Pensei que só os homens fizessem esse tipo de abominação.
- A gente tem que dar queixa!
Alessandra de levanta totalmente transtornada.
- Ei! Não! Nada de polícia. Não aconteceu nada. Você chegou e cuidou de mim, ok? É só isso que importa agora. Deixa pra lá...
- Day...
Eu a interrompo:
- Não. Deixa no gelo, já disse.
Ela sabe como sou teimosa e, mesmo puta da vida, senta de volta na poltrona.
- Podíamos, pelo menos, ir no médico.
Eu balanço a cabeça ainda atordoada.
- Alê, não. Tá tudo bem, ok? Deixa pra lá. Sério.
- Tu é foda, Dayane. Deus me livre...
- Sei que eu sou, agora vamos mudar de assunto.

Já faz três meses que aquela viagem, sonho ou seja lá o que tenha sido aquilo, me machucou em níveis astronômicos. Eu não consigo achar um meio de pôr pra fora essa mulher de dentro de mim. Eu queria cuspi-lá. Eu queria enfiar minha própria mão dentro do meu coração e arrancá-la a força. Eu queria ela fora de mim mais do que qualquer outra coisa no mundo.
Deus!
Quanto mais eu penso sobre como esquecê-la mais a saudade dela me afoga...
Isso é ridículo.
Todos esses pensamentos, esses questionamentos são inúteis demais, é uma parte do meu cérebro que tenta me sabotar pra não encarar a verdade nua e crua que seria capaz de me matar se eu conseguisse enxergá-la totalmente: ela nunca quis isso de verdade. Fui só uma aventura pra ela.
Argh!
Que gosto amargo na minha boca toda vez que essa ideia me atinge. Mas eu oscilo tanto! Ora eu penso que não signifiquei nada pra ela, ora penso que nunca alguém a tocou tão profundamente como eu. Toquei além dos níveis da pele, muito além da hypoderme, minhas impressões digitais estão gravadas em toda a sua estrutura, em cada parte do que ela é feita. Seu corpo foi tão meu que nossos corpos, hoje separados, se sentem desmembrados diante da menor lembrança do que causavamos uma na outra. Eu nunca vou entender como não demos certo. Fomos feitas uma pra outra, como ela pode não enxergar?
Caroline foi embora sem olhar pra trás, como se eu tivesse significado absolutamente nada pra ela. Pelo menos é isso que ela quer que eu pense, as vezes eu penso mesmo, mas ela deixou rastros que me impedem de acreditar nisso. Nossas conversas, todas as nossas noites, nossas loucuras, o tanto que deixamos nossas convicções mais viscerais de lado pra estarmos juntas. Nossos corpos que não conseguiam raciocinar só com a ideia de estarmos juntas... Tenho tudo gravado na memória, pelo menos, em algum lugar no tempo nós ainda estamos juntas.
Tanto tempo se passou e eu ainda a tenho dentro de mim, tão viva! Eu não consigo deixá-la morrer... Não tenho a menor ideia de como ela esteja, se voltou com Fernanda, se encontrou outra pessoa. Nada. Pensar nela com outra mulher me dilacera, mas eu sei que isso é mais do que possível. Ela quis seguir em frente, faz parte do roteiro ter alguém novo. Não me importo. Por mais que doa, sei que onde cheguei ninguém chega. Sei também que tudo é tão fácil porque não nos vemos mais, se a gente se esbarrar na calçada, num bar, na fila do pão, o tremor que vou causar em seus joelhos me diz o que já sei: ela não sou eu. Ela pode amar de novo mas, vez ou outra, estarei embaixo dela. Inevitavelmente. E ela terá que conter o choro e fazer uma força descomunal pra me afastar de sua cabeça. Em dias chuvosos quando o coração apertar demais, ela terá que recorrer a mim pra conseguir se satisfazer. Eu sei disso. Estou escrita em nanquim dentro de seu coração e por debaixo da sua pele, onde ninguém vê, mas ela sente.

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