26.

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DAY

- Hoje não posso ir lá, amanhã eu tenho um ensaio importante pra fazer e eu não posso me dar ao luxo de estar pior do que já estou.
Eu, finalmente, levanto da cama e começo a trocar de roupa.
- Prima... Não seja assim. Você nunca foi cuzona, tá me dando vergonha.
Eu paro de abotoar minha camisa e a olho incrédula.
- Vergonha? Cê só pode tá de sacanagem comigo.
Volto pros botões com raiva, Aninha entende que passou dos limites e muda o tom de voz.
- Dayane, você precisa...
Eu a corto:
- Eu sei! E eu vou. Só não hoje, ok? Eu tenho mesmo que focar nesse ensaio. Você pode, por favor, largar do meu pé só por hoje?
Aninha ri enquanto faz uma careta e repete minha última frase com desdém.
Eu reviro os olhos.
- Vai trabalhar você também, vai! Me deixa em paz.

Aninha tem me ajudado muito, além de cuidar de toda a minha agenda depois de eu ter demitido minha secretária num momento de insanidade em que eu só queria estar sozinha, ela tem me dado a maior força aqui no estúdio, além disso ela cozinha pra mim e vem me fazer companhia sempre que pode, ela é uma pessoa maravilhosa, eu nem sei como eu estaria sem ela por perto.
Desde pequena nós sempre fomos grudadas, embora ela tenha sete anos a mais do que eu, nossa diferença de idade nunca foi problema pra ela, mesmo quando eu era uma criança grudenta e ela já uma adolescente que queria sair com os amigos, ela sempre fazia questão de pedir pra minha mãe deixá-la me levar junto. Foi uma irmã que não tive, minha melhor amiga da vida, em quase todas as minhas melhores memórias ela está lá comigo. Nossas brigas sempre foram boas e nunca duraram mais que uns minutos, mesmo eu sendo tão ranzinza e ela tão maluca.

Hoje vou atender uma cliente que é jogadora de futebol, vamos fazer uma sessão mega clichê, eu tentei dar algumas ideias diferentes, mas ela precisa das fotos padrão, eu odeio esse tipo de ensaio que eu tenho que fazer o arroz com feijão, não consigo trabalhar tanto a minha criatividade e eu sempre acho que a minha identidade vai ficar de fora, mas vamos seguir o protocolo e ver o que podemos fazer nas próximas sessões.
Aninha me avisa que ela está subindo e logo me encontro com uma mulher extremamente sorridente e simpática que já chega me dando um abraço apertado como se já me conhecesse.
- Oi, Day! Tudo bem? É um prazer!
- O prazer é todo meu Alessandra.
- Alessandra não, Alê, por favor.
Ela diz isso e me joga uma piscada.
Eu sorrio sem jeito e concordo:
- Ok, Alê. Vem comigo, vou te mostrar onde é o camarim.

Após alguns minutos Alessandra volta com seu uniforme azul e branco, cabelos soltos e impecáveis, uma maquiagem leve no rosto e o mesmo sorriso enorme. Ela pega sua mochila e retira uma boa toda colorida e visivelmente nova, a coloca embaixo do braço, faz uma pose meio de lado e diz:
- Ok, Day. Vamos começar com a pose mais imbecil de todas.
Eu não seguro o riso. Realmente é uma pose clichê demais da conta mas rio também da entonação que ela usa pra debochar da cena. Ela parece ser uma pessoa engraçada.
- Certo, temos que começar de algum lugar. Levanta mais seu rosto, olha bem pra minha lente, estufa um pouco mais o peito. Isso... Assim.
Faço alguns cliques e ela mesma vai mudando de pose, o sorriso sempre enorme no rosto, acho que eu nunca vi alguém tão simpática em toda a minha vida, nem sei como alguém pode ser tão feliz assim.
Apesar de clichê, as fotos devem ficar boas, Alessandra é extremamente fotogênica, seus traços são delicados mas sua expressão é bem forte, seu cabelo castanho na altura da cintura e sua franja que bate no queixo, uma boca bem vermelha e os olhos verdes, tudo orna bizarramente bem, o corpo, bom, atleta, né? Não tenho nem o que comentar. Definitivamente uma mulher bem bonita.

Assim que a sessão acaba eu como de praxe ofereço algo pra beber e ela pede uma cerveja.
- Você não vai me acompanhar?
- Ah, eu? Er, acho que hoje não.
- Poxa, Day, é a primeira vez que a gente trabalha junto, comemora comigo, vai!
Tudo essa mulher pisca. Aff!
Eu cedo e acabo pegando uma pra mim também.
Eu abro, tomo um gole e Carol toma a minha cabeça na mesma hora.
Caralho! Foi só um maldito gole!
- Day? Tá tudo bem?
Sou surpreendida com uma raiva que toma inteira, assim que Alessandra fala comigo eu percebo que estou apertando demais a garrafa na minha mão.
- Tá sim. Eu só acho que não estou num dia bom pra beber.
- Seu coração tá partido?
Eu a olho meu surpresa, eu conheço essa mulher há menos de duas horas e ela já está tentando me ler e perguntando coisas íntimas.
- Algo do tipo.
Ela joga o cabelo pro lado, cruza as pernas e vem com o corpo mais pra frente da cadeira.
- Ih, tá magoada, né?
De repente me sinto nua. Nua diante de uma mulher linda que eu não tenho a menor ideia de como ela consegue me enxergar assim.
- Mas me fala mais sobre você.
- Eu também estive de coração partido até pouco tempo. É um saco.
- Não era bem isso que eu perguntei, mas tudo bem.
Dou um sorriso sem graça e ela cai na gargalhada.
- Aí, me desculpa! Eu sou péssima! Tenho essa mania de achar que todo mundo tem a vida como um livro aberto assim como eu.
Vejo que por mais que ela tenha dado risada ela ficou sem graça, me sinto mal e resolvo dar um pouco de corda.
- Tem encontro que é desencontro, né?
Ela me olha de um jeito diferente, como se eu tivesse dito alguma coisa que a tocou.
- É isso, Day... A vida parece ser um eterno desencontro...
Alessandra se entrega aos seus pensamos e permanece em silêncio completamente longe daqui. Eu a fito e me pego encantada com o quanto ela é transparente. Completamente o oposto de Caroline que em todos esses meses mais me confundiu do que outra coisa.
- Você tá bem?
Ela volta pro planeta terra sacudindo levemente a cabeça
- Tô... Tô sim... É que a última mulher que eu amei foi difícil, sabe?
- Ô...
É isso. Eu e a minha mais nova amiga completamente estranha estamos reclamando da vida e falando sobre nossos corações partidos.
Que coisa louca!
- Você já assistiu "500 Dias Com Ela?"?
Um gosto amargo toma conta da minha boca.
- Eu detesto esse filme.
Ela balança a cabeça afirmando violentamente.
- Lógico que sim... Pois é, eu tive uma Summer na minha vida...
Seus ombros se encolhem, com certeza ela sentiu dor ao dizer isso.
- Nossa... Ninguém merece. Mas, ela chegou a... Você sabe... Dizer aquela maldita frase?
Ela ri ironicamente completamente azeda.
- Não disse a frase, mas agiu como se tivesse dito.
"É que com você eu nunca tive certeza", foi a frase que mais me destruiu na vida assistindo um filme.
- Cara, sinto muito, Alessandra.
- Por favor, Alê.
- Alê.
Ela sorri meio de lado como se estivesse com dor.
- Tudo bem. Tem gente que não vale a pena mesmo.
Aquilo me acerta no queixo.
Será que a Carol não vale a pena? Será que ela não está comigo até hoje porque ela é como a Summer?
Meu coração dói tanto que sinto vontade de ir ao médico de medo de que essa dor se torne algo físico.
Um silêncio profundo se instala e embora eu não a conheça, ele não me parece contrangedor, muito pelo contrário, estar perto de alguém que entende o que estou sentindo me conforta.
De repente eu mesma me surpreendo com o que digo:
- Ei, você aceita comer alguma coisa e continuar esse papo?
O sorriso dela estava de volta.
- Claro! Vou trocar de roupa e podemos ir. Tem preferência de lugar?
Qualquer lugar que não me lembre ela tá bom!
- Não. Você tem alguma sugestão?
- Você já foi no Seen?
- Uau! Não. Eu havia pensado em algo mais informal.
- Deixa de ser boba, o bar deles tem a melhor cartela de drinks de São Paulo. Vamo, eu vou ter o maior prazer de ser a primeira pessoa a te levar lá! Além do mais, se vamos sofrer temos que sofrer diante de uma das melhores vistas da cidade, em grande estilo.
A tal piscada.

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