DAY
Acordo com a porta do estúdio abrindo, ouço passos apressados em direção à janela que se arregaça de uma só vez trazendo toda a claridade do dia pra minha retina.
Ai!
Aninha.
Ela de repente fica paralisada me vendo entre as pernas de Alessandra.
- Que porra é essa, Dayane? - Ela sussurra.
Eu apenas coloco o dedo indicador na frente da minha boca num sinal de silêncio, me levanto e a chamo até a cozinha.
- Já tá curada, né? Sua safada!
- Não. Não é nada disso não. Eu...
- Você tá atrasada pra ir fotografar as bailarinas.
- Que horas são?!
- Você tem que chegar lá em meia hora. Vai logo!
Eu corro pro banho e vou me ajeitar, pego uma camiseta branca comprida, uma calça jeans clara, calço minha botinha de couro sintético e por último, visto minha jaqueta jeans preta. O cabelo eu apenas jogo um pouco de lado como de praxe.
Passo por Alessandra e encontro aninha na cozinha ainda.
- Aninha, tenho uma tarefa pra você.
- Ah não, Day! Eu já sou babá da Caroline, não me vem com mais uma!
Ouvir aquele nome é como tomar um coice no meio do meu peito.
Minha visão fica turva.
Eu apenas fecho os olhos um instante tentando acalmar meu coração.
Aninha percebe.
- Ei, tudo bem. O que você quer que eu faça?
Levo um instante pra me recompor.
- Nada. Só deixa ela acordar sozinha, se apresenta e explica porque saí e porque deixei ela dormir, ok? Diz que eu ligo pra ela quando eu chegar.
Pego a mochila com os equipamentos, lanço um olhar mais uma vez pra aquela mulher como se só de olhar pro seu rosto eu conseguisse me sentir melhor pra encarar o meu dia. O meu dia sem ela.
Que coisa louca!Depois de mais de cinco horas de ensaio, me sinto exausta. Vou até meu carro e assim que entro meu celular toca.
- Ei, mamãe, olha pra trás.
Alessandra.
Alessandra e seu sorriso.
Alessandra e o meu sorriso.
Ela vem andando até mim e eu apenas tento controlar a minha cara de idiota.
- Tu me largou dormindo, cara! Que sacanagem!
- O que ce tá fazendo aqui?
Ela dá de ombros.
- Fiquei sabendo que tu ia ter um dia cheio, pensei de agradecer por você ter cuidado de mim ontem e te levar pra beber alguma coisa, mas não se anime muito, hoje eu vou ficar no suco de laranja, ontem exagerei.
Ela passa as mãos na cabeça em desespero.
- Pra onde vamos?
- Tem um bar, perto da minha casa, coisa de gringo, tá? Lá tem show hoje, e tem também a melhor porção de provolone a milanesa que você já comeu nessa vida!
- Parece ótimo. Que horas?
- Passo pra te pegar às sete, ok?
- Combinado.- Aninha, me ajuda a escolher uma roupa. Eu tô sempre com a mesma cara.
- Que diferença faz? Seu guarda roupa é todo igual. Quer dizer, sua arara, né? Nem guarda roupa você tem mais.
A sinceridade de Aninha era como a de uma criança, lógica e sem a menor noção de gentileza.
- Eu me visto sozinha mesma.
- Não senhora, se não você vai assim mesmo que eu tô ligada.
Ela me empurra pelos ombros enquanto eu bufo e reviro meus olhos.
Aninha retira uma camisa azul marinho que eu não usava há uns bons anos.
- Olha aqui, que belezinha! Agora deixa eu ver uma calça.
Ela passa os dedos ágeis pelos cabides como se ela fosse alguma expert de uma dessas lojas chiques na rua das noivas.
- A-ha! Olha só! Não esperava por isso!
Percebo a ironia em seu tom e dou um soco em seu braço.
Ela apenas ri da minha cara.
- Essa aí combina, esses rasgos nos joelhos diz muito sobre como essa garota está te deixando.
Eu apenas a ameaço com o olhar, mas ela ignora e continua.
- De quatro.
- Aninha!
- Eu sabia que você ia superar a ruiva logo, não que você não a ame, mas é da sua natureza curar um amor com outro. Se joga, prima!
Depois de dizer tudo isso, ela sai do quarto como se só tivesse dito "bom dia".
Inacreditável.As palavras de Aninha grudam na minha cabeça e, por mais que eu não queira, me fazem parar pra pensar. Eu bem sei que um amor cura outro, mas a questão é que a gente nunca sabe se é amor mesmo ou apenas uma atitude totalmente motora e desesperada do nosso corpo pra deixar de se sentir a ponto de ter um colapso, afinal, é instintivo em qualquer raça fazer tudo que for preciso pra gente se manter vivo, certo? Com a raça humana é pior, nos temos o inconsciente, em momentos de estado de alerta, diante do perigo, ele é capaz de comandar toda a nossa vida como se a gente não tivesse mais nosso lado racional, a gente se deixa levar por ele como se a gente fosse uma criança apavorada precisando que alguém pegue a gente no colo e tire a gente do limbo. Sucumbimos ao nosso instinto. Como podemos saber se é amor?
De repente, me dou conta em tudo isso que estou pensando e rio de mim mesma. Eu conheço essa mulher há vinte e quatro horas, e a única coisa que até agora eu sei é que ela me faz bem. Ponto.Chegamos no bar, um lugar bem intimista, com luzes amarelas bem fracas, um balcão enorme no canto esquerdo com vários bancos chumbados no chão, algumas mesas pequenas espelhadas pelo salão que não era grande e, ao fundo, um palco com uma banqueta e um violão ao lado. Por um segundo meu cérebro me trai e tenta me levar direto pra Curitiba onde fotografei Caroline.
Merda!
Faço um esforço descomunal pra afastar essas lembranças.
Elas vão embora assim que Alessandra chama minha atenção.
- Alô?!
- Oi, me desculpe. Disse alguma coisa?
- Chop?
- Ah! Sim, claro. O que temos aqui? Olho pra parede atrás do balcão onde os chops disponíveis estão escritos a giz.
Mais uma vez, meu cérebro tenta me levar a Curitiba onde Carol me ensinou a tomar diferentes sabores de Chop.
Que inferno!
Será que eu deixei marcas suficientes nela que a façam lembrar de mim também? O que ela sabe sobre mim? Será que o coração dela também bate descompassado diante de qualquer lembrança minha?
Que erro.
- Day? Tudo bem?
- Me desculpe. Eu tô meio perdida, não sei o que escolher, não manjo muito.
- Vou te ajudar. O melhor Chop pro inverno...
Eu a corto:
- Stout. Eu sei. Mas esse eu não quero.
- Tudo bem, que tal um Red Ale?
- Pode ser.
Ela pede duas Red e passa uma pra mim.
- Toma. Vê o que tu acha.
Eu levo meu copo a boca e dou um gole demorado.
- Amarga, porém doce. E a cor é linda.
- Sim! Esse tom avermelhado é bem bonito mesmo, é uma das minhas preferidas! Ela tem maltes tostados e caramelizado por isso o amargor, essa aqui leva frutas vermelhas na sua composicao também. Agora que você sabe um pouco mais, bebe de novo e veja se consegue distinguir.
Dou outro gole demorado, mas dessa vez maior.
- Hm... O caramelo é bem evidente mesmo. Gostei bastante.
- Mais do que de mim?
Eu quase engasgo com meu último gole.
- O que?
Ela simplesmente sorri.
- Foi isso mesmo que eu perguntei. Gosto de estar perto de você, Day. E quero muito poder afastar seus fantasmas assim como você também afasta os meus quando tá perto de mim. Meu coração erra as batidas e o sorriso é incontrolável.
Depois de tanto tempo tomando socos na boca do estômago, me sentindo uma pessoa que não é suficiente, ouvir que eu faço bem pra alguém é bom demais.
- Sinto o mesmo ao seu lado.
Ela sorri de um jeito que até então eu nunca vi. Suas bochechas ganham um tom avermelhado na hora.
- Eu sinto vontade de te abraçar, sabia?
Eu nem sei mais o que é um abraço. Faz tanto tempo que Caroline se foi e desde então...
- Eu também...
Falo num sopro tão baixo que nem tenho certeza se Alessandra pode ouvir.
Mas ela salta do banco e me puxa num abraço aconchegante, carinhoso, como se a gente ânsiasse por isso há muito tempo.
Não sei descrever a sensação de estar nos braços dessa mulher. Realmente é como se ela pudesse afastar todos os meus fantasmas, dar uma pausa em toda a minha dor, encher meu coração de paz.
Somos interrompidas pela mulher que chama a atenção no palco se apresentando.Boa noite! Eu sou Luana Galdino e hoje estarei com vocês até às vinte e duas horas. Será um prazer.
Pra começar vou tocar uma música muito pedida que tem feito muito sucesso, é o novo single da Carol Biazin que se chama "segue com a sua vida".Um gancho no meu queixo.
Ouvir o nome dela, ouvir algo novo dela, o nome da maldita música, todas as lembranças, o medo, o suor frio, as pernas anestesiada, tudo em mim estava em pane. E eu nem sequer tentei me mexer. Afundei meu rosto no pescoço de Alessandra e assim fiquei enquanto as palavras que Luana interpretava entravam em mim como facas.
Ela havia me esquecido. Ela havia decidido me deixar pra trás, ela havia seguido sua vida sem mim.
O universo é tão filho da puta assim capaz de me dar o recado através de uma estranha?
A música acaba.
Eu acabo.
Nocaute.
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Sedução.
FanfictionFINALIZADA Caroline é uma cantora famosa, Dayane é a melhor fotógrafa de São Paulo. Ambas estão em relacionamentos longos com outras pessoas mas a vida e seu humor de quinta está disposta a virar suas vidas de ponta cabeça. Da mesma autora de Desej...