36.

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CAROL

Abro os olhos.
De novo?!
Minha cabeça gira. Não sei mais o que é real.

Com dificuldade eu me sento na beirada da cama.
Meu corpo dói.
Nossas roupas ainda estão no chão.
Será mais um sonho?
Olho pra trás com dificuldade e lá está ela, ainda nua enrolada no lençol branco.
Linda. Deus!
Vou até o frigobar e pego uma água, me encosto na pequena mesa e olho pra ela enquanto sinto o líquido gelado trazer um pouco de paz pra dentro do meu corpo febril prestes a se partir ao meio.
Sei que foi um sonho, mas aquela carta foi tão real... Fez tanto sentido... Será que causei tanta mágoa a ponto de estragar tudo pra sempre?
Meu coração está apertado demais diante da menor possibilidade de perder de novo essa mulher.
De novo?
Preciso ser cruelmente honesta comigo mesma: eu deixei essa mulher.
Deixei tantas vezes!
O ar entra com dificuldade nos meus pulmões e eu preciso me virar de costas pra ela para ter a menor chance de conseguir me manter de pé.
Não acredito que vou deixá-la novamente...

Após me recompor um pouco eu vou pegando todas as peças de roupas espalhas pelo chão e vou vestindo.
Vou até o banheiro e me encaro no espelho.
Então é isso, Caroline? Você vai mesmo fazer isso? Sem dizer nada de novo? Sem dar a ela a chance de fazer alguma coisa?
O que ela poderia fazer? Você sabe que está decidida.
Droga!
Abaixo minha cabeça, mal consigo me encarar nos olhos. Sei que sou covarde... Nem eu me entendo, não espero que ela me entenda, é pedir demais.
Olho minhas mãos que apertam a pia com força.
Eu não posso... Como posso dizer não pra ela depois de tudo?
Caralho... Quão fodida eu tô da cabeça? Nem eu sei direito o motivo de fugir dela...
Se eu vou embora eu preciso ir embora antes dela acordar. Eu não vou suportar vê-la feliz acordando como se eu fosse ficar. Muito menos irei conseguir manter minha decisão diante de seus argumentos e daqueles braços ao redor do meu corpo.
Porra!
Preciso ir embora daqui...
Saio de mansinho, pego minha bolsa no armário na entrada do quarto, coloco em meu ombro direito, me viro pra ir até o criado mudo pegar meu celular quando sinto meu corpo tomar um chute no meio do peito fazendo com que ele vá um passo pra tras.

Dayane está sentada na cama me olhando.
Silêncio.
Não tenho a menor ideia do que dizer.
Abro a boca pra tentar falar mas não sai nenhum som.
Dayane, ao contrário do que eu imaginava, está com o olhar tranquilo.
Isso me mata.
Ela já esperava por isso!
Me esforço pra encontrar minha voz que se perdeu no meio das batidas confusas do meu coração.
- Day...
É só o que consigo.
Silêncio.

- Pode ir, Caroline.
As lágrimas caem sem pedir licença.
- Eu não...
- Eu sei.
Fico surpresa.
- Sabe?
Ela se ajeita na cama, subindo seus joelhos dobrados e passando seus braços ao redor deles.
- Sim... Eu pretendia fazer o mesmo, mas acordei depois.
- O-oque?
- Eu sabia que seus medos iam te comer pelas pernas assim que eles encontrassem uma brecha.
- D-day...
Meu choro me pega com gosto e eu mal consigo falar o nome dela. Tenho o mundo de coisas pra dizer mas só consigo me sentir refém do meu proprio corpo que está rachando ao meio na frente dela.
Estou exposta.

- Eu sei que você me ama. Acredito em você, Caroline. Mas sei que é mais forte que você, que hoje cê não é capaz de ouvir seu próprio coração diante de tanto barulho aí dentro.
Meu corpo treme diante da indecisão de ir embora e de me jogar em seus braços e morrer pedindo perdão.
- Volta pra Bárbara. Vai viver sua vida e vamos ser sinceras: nós não somos pra ser. Só o amor não é o suficiente, nós somos a prova viva disso.
Aquelas palavras me ferem feito brasa, a brasa amarela ouro a mil e cem graus Celsius da mais pura e inevitável verdade.
- Day...
Sigo refém do meu corpo que parece ter esquecido todas as palavras que conheço e insiste em só conseguir pronunciar o nome dela.
- Você pode jogar minha blusa e minha calcinha, por favor?
- Day... - dessa vez aperto minhas mãos na minha calça e faço uma força descomunal pra continuar - não faz assim. Não somos estranhas...
Minha voz é vacilante, o choro e toda a tremedeira me denunciam.
Estou aos pedaços.

Dayane não diz nada, apenas se levanta, nua, e começa a pegar suas peças e se vestir na minha frente.
- Dessa vez é pra sempre?
Ela termina de vestir suas botas, ajeita o cabelo e me encara.
Meu Deus, como ela é linda...
- Nunca vamos saber, Carol. Mas que diferença isso faz?
- Eu me acostumei a ir embora mas carregando a certeza de que a gente ainda se esbarra por aí. É mais fácil.
- Se é mais fácil pra ti, acredite nisso.
- Não é mais suficiente, Dayane. Eu preciso que você acredite junto.
- Desculpe, Carol. Mas eu não vivo minha vida alimentando fantasmas.
Um tapa na cara doeria menos.

Ela se levanta e coloca sua carteira no bolso.
- Day... - lá vou eu de novo...
- Sabe qual seu problema, Caroline?
Silêncio.
- Você decide sozinha uma decisão que não é só sua. E, pior, decide sem ter a menor ideia se é isso mesmo que você quer. Sabe, acho que esse deve ser o grande problema de todo artista, a gente se enrola na fantasia ridícula de que o grande amor só é bem grande se for triste. Isso aqui foi um grande amor, e ele poderia ter sido lindo e... Caralho!... Ele poderia ter sido tão bom! Começou errado sim, mas eu fiz de tudo pra arrumar, pra te merecer, pra ter você, Caroline.
- Você fala como se a culpa fosse só minha, você acabou de dizer que ia me deixar sozinha aqui. Porra!
Meu choro volta a ter força. Ela parece sentir dor também mas não vejo uma lágrima sequer cair de seus olhos.

Ela vem mais perto.
Segura meu queixo.
- Olha pra mim... - seus olhos percorrem os meus olhos com carinho - eu amo você. Tá aqui. - ela põe minha mão sobre seu peito - E vai ficar até sei lá quando... Mas a vida não cansa de mostrar pra gente que não é a hora. Não é a nossa hora. Ponto. Temos que aceitar isso. Não sei de quem é a culpa. Aconteceu, ok? De começar errado, de você não saber lutar com seus medos, de eu conseguir estar sobrea o suficiente pra dizer não... Cada hora é uma coisa, Carol. Pensa... Você tava indo embora. De novo. Agora tá aqui chorando me pedindo explicações como se não quisesse mais ir. A gente se bagunça demais. Meu Deus!

Eu seguro a gola da sua camiseta com as duas mãos e a puxo pra mais perto.
- Sim, a gente se bagunça desde o começo. Desde o primeiro dia. Quando isso se tornou algo ruim? Era bom... Do jeito errado, mas sempre foi tão bom! Porra... É a nossa bagunça, Dayane.
Ela segura em meus punhos.
- Eu não sei... Mas agora não é mais do jeito bom e eu tô exausta de me sentir assim...
Eu deito minha cabeça em seu peito e deixo o choro me tomar por completo.
Não acredito que estou me despedindo da mulher que eu amo.
Não acredito que ela está se despedindo.

Ela não chora, mas ouço seu coração bater lento e forte com várias batidas fora de ritmo.
Sei que ela está sofrendo também.
- A gente não pode voltar atrás? - falo entre soluços enquanto a aperto forte.
- Caroline... Eu acordei com você indo embora, depois da gente se reconciliar, depois de você me pedir pra te deixar ficar. Você diz que me quer por perto mas você sempre vai embora... Como eu vou dormir? Eu não me sinto segura ao seu lado... Não posso nem dormir, Caroline.
- Day...
A dor é tão grande que meu coração parece se contorcer fisicamente.
Ela se solta gentilmente de mim.
- Vai atrás da Bárbara. Segue sua vida. Eu vou tentar ser feliz também. Deixa a vida correr, quem sabe você não tá certa? Quem sabe a gente se esbarra em uma esquina lá na frente?
- Day...
Eu tento beijá-la mas ela se esquiva.
- Eu queria me despedir.
- Já nos despedimos, baby... Tivemos a despedida que muita gente sonha em ter e não tem.
Ela tem razão...
Dayane enxuga as minhas lágrimas, pega a minha mão:
- Não prometo te amar pra sempre, mas nem que eu quisesse eu teria como te esquecer. Isso deve ser o suficiente pra gente agora. Ok?
Ela se solta de mim e senta na cama.
- Vai você primeiro, eu pago o hotel.
- Day, não sei se consigo.
Ela sorri gentilmente tentando esconder a mágoa e a tristeza.
- Consegue sim. Sempre foi assim. Tá tudo bem, vai lá. É como se eu estivesse dormindo.

Meu coração se recusa, mas meu corpo vai em direção à porta mesmo assim.
Ele realmente se acostumou a fazer isso.
Fecho a porta e sei que metade de mim ficou lá dentro, com ela. Eu nunca mais fui inteira desde coloquei meus olhos naquela mulher.
Está feito.
Dou um passo a frente com uma força descomunal decidida a aprender a ser só metade.

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