II

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Já era perto das dez da manhã quando voltei para o meu quarto. Chequei as mensagens, mas só havia memes não muito engraçados em grupos de amigos. Escrever agora seria interessante pela quantidade de coisas novas que aprendi naquela conversa sobre o submundo do sexo, mas não era bem esse tipo de conteúdo que eu pensava em colocar no meu livro. Talvez um personagem frio como Lívia possa aparecer por lá: a madame de ferro e seu coração de gelo. Quem sabe não aparece também um personagem que é médico e corno manso, mas vou deixar os dois na reserva por enquanto.

Com pouca vontade de escrever, resolvi caminhar pelo vilarejo até à praia, buscando alguma inspiração. A maior de todas só viria quando eu fosse olhar as mensagens do celular, e a mensagem dela me aguardasse com um pouco de humor negro e um tom de sensualidade que talvez somente eu consiga enxergar. Um dos meus maiores defeitos é me apaixonar por pessoas que acabo de conhecer, sem saber dos seus podres e sem conviver mais de meia hora lado a lado. Sei que ela é linda, mas tenho certeza que não foi a causa principal da minha paixão, porque basta um sorriso diferenciado para que meu coração abra as portas para um novo amor. Foi assim a vida inteira, e agora não seria diferente.

Caminhei até chegar à praia e me sentei em um banco de concreto que pegava sombra de um coqueiro pouco antes da areia. Daquela posição eu podia ver o mar perfeitamente e também um pedacinho do rio. O céu estava claro, sem nenhuma nuvem para aliviar o sol quente, mas ventava tanto que a sensação térmica era boa, e a sombra do coqueiro fazia daquele um lugar perfeito para observar a paisagem e as pessoas que passavam. Ótimo local para observar as qualidades e defeitos dos outros, tendo como resultado a criação de bons personagens, que no momento estavam escassos, apesar de o enredo estar com direção bem desenhada.

Não precisei procurar muito e o primeiro surgiu. Um rapaz de cerca de 1,70m, magro, vestindo uma bermuda colorida, chinelo de dedo, sem camisa, tetudo, barba alinhada e chapéu de palha. Não sei onde encontraria alguém tão pitoresco senão aqui em Jacuípe. Já tive um amigo ex-gordo que tinha tetas assim como as daquele rapaz, que, aparentemente, são mais difíceis de perder do que a barriga. Um homem até bonito em foto 3x4, mas um verdadeiro desperdício de barba, de dar inveja em alguém com pelos falhados como os meus. Mas é melhor ter barba imperfeita do que seios masculinos. Perdi-o de vista indo em direção ao rio.

Aguardei um pouco mais, e o segundo personagem veio até mim com o rabo balançando. Um vira-lata branco com manchas pretas pelo corpo se aproximou querendo alguns minutos de companhia. Já me disseram uma vez que é desumano encontrar um cachorro e não falar com ele, então fiz um carinho naquela cabeça branca por um tempo, até que ele viu alguma coisa mais interessante e se mandou. Gostaria de ter dado algo para ele comer, mas ficará para uma próxima oportunidade.

Agora, quatro possíveis personagens estavam indo em direção à praia. Dois casais, de mãos dadas com seus pares, caminhando lado a lado, mas o que me chamou atenção mesmo foram os homens e não as mulheres, incrivelmente. Não sei quando foi que começou ou quem inventou essa moda de chapéu de palha, mas com certeza foi algum retardado. Os dois homens estavam com a mesma aparência: chapéu de palha, óculos escuro, regata e bermuda. Já as mulheres, bem bonitas, com short jeans e biquíni. O que passa na cabeça de uma mulher que namora com um cara que usa chapéu de palha para ir à praia? Esses quatro não passaram nas classificatórias para serem meus personagens.

Cansei de observar as pessoas e voltei para a pousada. Antes de entrar no quarto, dei uma olhada na piscina em busca de alguma personagem ou vítima, mas só encontrei crianças gritando. Mais tarde tentaria novamente.

Ao pegar o celular e checar as mensagens, mais uma vez, eu finalmente consegui encontrar o que faltava no meu dia cheio de acontecimentos e que parecia jamais acabar. A notificação da conversa de Ana me deu um susto, mas não foi ruim. Causou receio e ânsia de abrir o aplicativo o mais rápido possível para saber qual seria a resposta da mensagem que eu tinha enviado ontem.

"Poliamor? Você não tá muito velho para isso?"

É esse tipo de humor que eu tentava compreender anteriormente. Parece um sentimento um tanto doentio da minha parte sentir afeição por insultos, mas deve ser esse o significado inexplicável do amor, que só pode ser sentido e não descrito em palavras.

Respondi "não precisa ter ciúme, querida. Há espaço para mais uma no meu coração". Coração este que está palpitando mais forte neste momento. Uma coisa que não sei organizar é a minha ansiedade para algumas coisas, principalmente para mulheres, por isso que estou sempre quebrando a cara, entregando mais de mim do que elas estão dispostas a dar em retorno. Talvez Ana seja somente um caso de verão, uma diversão temporária. Possivelmente só uma turista se divertindo nas férias, e eu aqui ansioso pela resposta da minha mensagem.

Olhei as outras conversas e só tinha grupos de amigos enchendo o saco com milhares de vídeos de putaria, além do grupo de marketing multinível que me colocaram e vivem dizendo que não é pirâmide para os novos membros. Quando se precisa de dinheiro, qualquer oportunidade parece de ouro.

"Cuidado com esse coração grande demais. Pode ser doença de Chagas", ela respondeu.

"Você é médica?"

"Enfermeira"

"Que pena. Já ia te chamar para brincar de médico".

Espero não ter sido pesado demais, mas não resisti e resolvi jogar o jogo dela.

Existe tortura pior do que conversar com alguém, ver que a pessoa está digitando uma mensagem que você quer muito ler, e ela não terminar de digitar nunca?

"Em vez disso, podemos brincar de você me levar para comer. Pela sua cara de desempregado, eu até me contento com um açaí, por enquanto".

Ai meu coração. Essa mulher ou é doida ou então está envolvida com um grupo de estelionatários para roubar meus rins. Espero que seja a primeira opção, porque adoro uma doida.

"Já descobriu o nome da sua pousada?"

"La Bella Pousada".

"Pode se arrumar. Vou aí te buscar".

Sei bem onde é. É uma pousada que fica em cima da pizzaria chamada La Bella Pizza, por mais peculiar que isso seja, é bem perto de onde estou.

Eu tinha planejado escrever, mas uma mudança de planos como essa é sempre bem-vinda. Agora é hora de dar um trato no visual e remover os vestígios da barba falhada.

E se for tudo um sonho?Onde histórias criam vida. Descubra agora