III

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Parei na portaria do condomínio de Marcos às 20:19. A segurança sempre foi bem forte no reduto dos senhores de engenho, mais conhecido como Havanna, onde grandes artistas que cantam axé no Carnaval passam os finais de semana. Estacionei bem em frente à casa de Marcos, sendo o único carro parado por ali no momento.

— Riquinho, finalmente você chegou — Marcos veio até mim e me deu aquele abraço que me cobria totalmente. Difícil um cara de dois metros de altura e mais de 120kg não engolir alguém com os braços. — Tenho uma surpresa para te mostrar.

— Espero que seja comida.

Ele estava vestindo uma camisa amarela de nylon marcando as tetas e um shortinho florido que não chegava à metade da sua coxa, uniforme padrão Marcos. Segui-o pela entrada de sua casa que estava vazia, mas, ao olhar o resto da sala, vi que tinha um cara sentado chamando atenção pela sua careca negra brilhante. Quando entrei, ele me olhou de cima a baixo, como se examinasse minha vestimenta totalmente desconexa com o espírito de réveillon — bermuda xadrez e camiseta marrom.

— Meu namorado, André — disse Marcos com um sorriso de orelha a orelha.

— Namorado? Quando ia me contar?

— Você não me contou que terminou o namoro, então estamos quites.

André prontamente levantou do sofá e estendeu a mão para me cumprimentar. De pé pude ver que ele já estava arrumado para a festa de ano novo, bermuda branca, camisa de gola cavada branca e um sapato Lacoste de couro branco sem meias, além de um relógio bem chamativo no braço esquerdo. Um homem de classe que provavelmente conhecia todas as regras de etiqueta, totalmente o oposto de Marcos.

— Prazer, André. Marcos me contou tudo sobre você, e já gostaria de uma ajuda para trocar de apartamento, se não for pedir muito — disse em tom simpático para quebrar o gelo. — E você deve ser Henrique.

— Eu mesmo, prazer — apertei a mão dele de volta imaginando o quanto Marcos tinha falado sobre mim. — Na verdade estou tentando sair desse ramo, mas posso dar uma ajudinha.

— Vou pegar um negócio pra você comer. Fiquem aí conversando — disse Marcos.

— Sério? Marcos me disse que você gostava tanto do seu trabalho, por que vai mudar de área?

— É melhor você não dar ouvidos a ele sobre coisas sérias. Sempre detestei meu emprego... Sou até bom de vendas, já trabalhei em loja de calçados e aí virei corretor por causa da experiência e por saber lidar com pessoas, mas nunca gostei.

— Meu Deus, que gafe então te pedir para trocar meu apartamento — falou escondendo o rosto com a mão em tom divertido.

— Que nada. Seria um prazer ajudar o namorado do meu gordinho. É chato lidar com pessoas desconhecidas e exigentes, rodar a cidade inteira de carro para encontrar clientes indecisos.

Marcos voltou da cozinha com um prato de salame cortado servido com limão e duas latinhas de cerveja. Parou na bancada que separa a sala da cozinha e colocou tudo por cima dela.

— Vão ficar em pé aí? Venham aqui, tem cerveja — disse Marcos sumindo novamente dentro da cozinha em busca de mais coisas. Fomos até ele, sentando nos bancos giratórios que ficam ao redor da bancada.

— Onde fica o apartamento que você está querendo vender?

— É na Barra, perto da praia, mas fica muito longe do meu trabalho. Queria algo mais no centro, perto do escritório, perto de tudo.

— Entendo. É uma região bem fácil de vender, mesmo nessa crise imobiliária.

— Ótimo. Quero agilizar isso, porque não aguento mais tanto engarrafamento nessa cidade.

E se for tudo um sonho?Onde histórias criam vida. Descubra agora