II

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De volta à mesa com Marcos, fui direto ao ponto.

— Quem mandou o bilhete que o garçom entregou? — ele pareceu surpreso com minha indagação e riu antes de dar a resposta.

— O garçom.

— Eu sei que foi o garçom que deu, mas quero saber quem pediu ao garçom para dar o bilhete.

— Caralho, você já está bêbado? — ele riu novamente. — É só cerveja, cara.

— Ainda nem comecei... Não vai me responder, porra?

— Foi o garçom, já falei. Não era um bilhete, era só o número dele mesmo.

— Sério? E não vai me dizer que você guardou o número?

— Claro que guardei. Você viu o porte dele?

— O porte? — não me aguentei e comecei a rir. — Logo você, o rei do camarote, o que odeia pobre.

— Para de rir, sua bicha. Nunca odiei pobre nenhum, não sei de onde você tirou isso.

— Resolveu participar da revolução do proletariado?

— Vai se foder. Eu como quem eu quiser, de qualquer renda, cor e tamanho.

— Eu também como gente de qualquer tamanho. Meu sonho é comer uma anã, sabia? Já até sonhei uma vez que pegava uma gostosinha no colo lá no São João de Amargosa.

— Puta merda, por que fui inventar de te dar álcool? Agora preciso tirar essa imagem da minha cabeça urgente!

Começamos a rir juntos até que o garçom veio novamente em nossa direção. Ele realmente tinha um porte diferenciado, ombros largos e maxilar grande com contorno bem definido. Achei que ele ia dar em cima de Marcos na cara dura, mas somente perguntou se precisávamos de algo. Esse tipo de pergunta pedia uma resposta maldosa, mas me contive e pedi mais uma garrafa de Heinekein.

— Esse garçom nem disfarça vindo aqui toda hora.

— Nem comento... Mudando de assunto, quem era aquela gostosa conversando com você? — perguntou Marcos com um olhar de quem já bolou várias teorias sobre meu rápido encontro.

— Olho de Thundera, hein? Achou ela gostosa?

— Vocês estavam meio longe. Não sei direito, foi só expressão mesmo... mas você não perde tempo.

— É uma amiga só. Coincidência nos encontrarmos aqui.

— Coincidência não existe, meu caro. Se ela está aqui é o seu destino chamá-la para tomar uma tequila.

— Nem fodendo. Ela é exatamente o tipo de pessoa que eu quero distância nesse momento.

Terminar um relacionamento conturbado só me fazia pensar em nunca mais ter relacionamentos, muito menos com a pessoa que sabe o que penso e como me manipular sem nem ao menos precisar de uma sessão de hipnose.

— Para curar uma ressaca a gente faz o quê? Toma cachaça. É o mesmo para curar a dor de cotovelo: começar um novo relacionamento, que pode ser uma simples noitada.

Era mais fácil dizer que meu coração estava fechado para reforma do que contar que aquela mulher era minha terapeuta, então foi o que fiz.

— Deixa isso pra lá, Marquinhos. Por enquanto não quero saber de mulher nenhuma, só de você, meu lindão.

Mais uma garrafa de cerveja foi reposta pela vazia, e agora a cantora bochechuda havia escolhido uma música com ritmo mais rápido do que as anteriores, uma dessas que de vez em quando toca na rádio, de Melim ou Lagum, não consegui lembrar na hora. Ao olhar a cantora, acabei encontrando novamente a minha psicóloga, que estava em uma mesa com mais uma mulher. Sempre a imaginei como uma lésbica, e talvez minhas suspeitas se confirmassem em alguns instantes.

As duas se vestiam de forma parecida, ambas com short curto e blusa sem manga. A mulher que estava com ela era bem feinha, com um corte de cabelo estranho um pouco abaixo do ombro, como se tivesse fugido do salão na metade... e sem pagar. Doutora, você poderia arranjar alguém bem melhor fácil, fácil... tipo eu. Elas começaram a rir bastante e conversavam tocando uma à outra, quase possibilitando uma leitura do assunto, que era algo como "você viu aquele sapato horroroso que Fulana usou na festa? RI-DÍ-CU-L-A", pronunciando sílaba por sílaba e dando entonação em todas elas. A resposta foi algo como "Isso porque você não viu aquele vestido de Cicrana. Parecia um balão!".

Marcos se levantou para, supostamente, ir ao banheiro. Talvez fosse de encontro ao garçom, mas não dei muita bola. Observar as duas parecia uma tarefa interessante e desafiadora. Seriam ou não duas lésbicas? À medida que continuavam rindo, os toques continuavam, mas poderia ser só coisa da minha cabeça. Algumas pessoas gostam de conversar tocando o outro, e eu odeio esse tipo de gente, a não ser que sejam toques sexuais vindos de alguém interessante. Os risos acabaram, e a feia chamou o garçom para pedir algo, enquanto Priscila pegava o celular para provavelmente enviar mensagem para alguém.

— Voltei — disse Marcos, interrompendo meu hobbie.

— E aí, Marcos, como foi com o garçom?

— Quem me dera. Só fui fazer xixi mesmo.

— Banheiro engraçado, né? Cheio de gelo no mictório.

— É só para aumentar o valor da conta...

Tomei mais duas garrafas de Heinekein, enquanto conversávamos sobre histórias nostálgicas da nossa infância. Marcos agora bebia um dos drinks caros do cardápio que vinha misturado com leite condensado e uma fruta exótica. O planeta Terra já girava mais rápido que o comum, então decidi que seria a última garrafa, porque ainda teria que dirigir até minha casa. Já havia até esquecido de observar minha psicóloga à distância para tentar descobrir algo sobre sua sexualidade. Olhei ao redor e não encontrei nem ela e nem a feiosa. Nesse momento, já deveriam estar as duas deitadas em uma cama de casal totalmente nuas, o que me levava a imaginar qual a psicologia por trás de gente bonita gostar de gente feia. Perguntarei se algum dia houver uma próxima sessão.

E se for tudo um sonho?Onde histórias criam vida. Descubra agora