Acordei com sono, como se pudesse dormir mais uma ou duas horas. Os raios de sol escaparam por um pequeno espaço entre as cortinas e atingiram diretamente o meu olho, servindo como um despertador natural. Peguei o celular e vi que marcava 8:25, além de notar as mais de trinta notificações de mensagens. "Será que morreu alguém?", pensei.
"Sempre levanto cedo e não quis te acordar. Vou sair com minhas amigas hoje e não sei se vamos nos ver, então até o ano que vem, marciano", disse Ana, finalizando a mensagem com um emoji de carinha mandando beijo. Com essa mensagem, percebi duas coisas: que ela não estava mais no quarto comigo, e que hoje seria noite de ano novo. Mas sairia com as amigas o dia inteiro? Será que isso teria algo a ver com a mensagem que recebeu ontem à noite? Talvez tenha se arrependido de trair o suposto namorado e não queira mais me ver, ou então o boi venha passar o ano novo com ela, de maneira tardia e retardatária, só estando livre hoje e, caso tenha sido a segunda opção, seria melhor que eu realmente ficasse quieto até que ela me desse algum sinal, sem mensagens em tom romântico ou sexual. Tenho certeza que, se fosse o caso, ela teria mandado algum aviso ou não teria mandado essa mensagem "íntima". Respondi com "tudo bem, divirta-se", sem muito ânimo para prolongar uma conversa agora rebaixado ao status de amante. Aquela mensagem do tal "Amor" realmente me deixou abatido.
Chequei então as outras mensagens que eram, em sua maioria, de grupos, a não ser a de um amigo meu, Marcos. "Sua irmã me falou que você se mandou sozinho para Jacuípe. Não me disse nada, hein?"
Deixei para depois a sua resposta, porque por enquanto o melhor seria fazer o que realmente vim fazer. Peguei o notebook e comecei a escrever sem parar, duas páginas direto. É bem fácil escrever após tantas experiências novas em tão pouco tempo, quando até amante pude me tornar. Se me perguntassem agora como é a sensação de ser o outro, eu diria que é a mesma de ser qualquer outra coisa, nada mudou até o momento, ou possivelmente a ficha ainda não caiu. Continuo sendo o mesmo, só que com mais histórias para contar no meu livro. Olhei as horas e vi que já estava perto das dez, que é o limite para o café da manhã da pousada. Vesti uma roupa e desci, sempre olhando cuidadosamente ao redor para checar se não encontraria a jovem tarada.
Provavelmente, por causa do horário, não havia mais ninguém comendo, exceto as moscas e eu. As opções eram bem variadas, então peguei um pouco de tudo e com sorte não teria dor de barriga. Um pedaço de bolo de laranja, outro de cenoura, um copo de suco de manga, duas fatias de presunto, aipim cozido e banana da terra. Deixei também um chá de erva cidreira esfriando para tomar assim que acabasse de comer tudo. Depois disso, comeria algum petisco na rua e só sentiria fome de noite. Aproveitei que não tinha ninguém por perto e levei uma garrafa inteira de iogurte para o quarto.
Voltei a escrever e desenvolver os personagens enquanto bebia aos poucos o iogurte. Vi que o celular piscava a luz de alerta de notificações, mas ler qualquer coisa só atrapalharia a minha escrita, então virei a tela para baixo e foquei no meu futuro profissional. Eu tinha que continuar escrevendo e terminar pelo menos um capítulo para bater a meta de cinco capítulos até o fim da minha jornada em Jacuípe, que estava prevista para acabar no dia 4 de janeiro. Não poderia pensar no que faria depois que voltasse para Salvador, senão seria mais um motivo para bloqueio.
Meus olhos ardiam quando resolvi parar e olhar o celular que já marcava 11:48. Agora sim poderia checar as notificações — torcendo para que uma das mensagens fosse de Ana. E foi bem o que imaginei que seria, algo como "tá tudo certo? tô te achando estranho". Só que me surpreendi pela série de mensagens, o que não fazia nada a cara dela.
8:43 — "tá tudo certo? tô te achando estranho".
9:51 — "a gente tá aqui no rio, vem conhecer minhas amigas".
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E se for tudo um sonho?
Romance"E se for tudo um sonho?" conta a história da vida de Henrique Polyakov, dividida em dois períodos de tempo distintos, um em meados de 2017 e outro no final de 2019. Aficionado em observar pessoas e seus comportamentos, o corretor de imóveis de 32...