Ana estava a três pousadas depois da minha, o que dava uns trezentos metros de distância. Planejei levá-la a um açaí que fica em outro vilarejo, muito mais movimentado, tendo que pegar a estrada para chegar lá, então fui de carro. Não me arrumei muito, vestindo apenas uma bermuda, camisa de manga curta e chinelo de dedo. Parei bem em frente à La Bella Pousada e mandei mensagem para que ela descesse. No andar de cima, vi duas mulheres na varanda olhando na minha direção, conversando entre si e olhando novamente. Alguns segundos depois, ela surgiu descendo a escada que fica ao lado da pizzaria, olhou para cima em direção às outras duas mulheres, como se conferisse se estava sendo observada, e veio até mim. Provavelmente são as amigas que ela mencionou no dia anterior que vieram com ela e que, provavelmente, estariam curiosas com o cidadão que a estava buscando, seja lá o que ela tenha dito.
Ana estava usando uma blusa branca modelo ciganinha, short jeans e chinelo. Seus cabelos pretos agora estavam cacheados nas pontas, e o rosto estava bem pouco maquiado, uma verdadeira musa. Ela entrou pelo lado do carona e se sentou junto de mim. O seu perfume tomou conta do ambiente, mas não era forte ou exagerado, apenas um cheiro bom e suave.
— Henrique de Marte! Belo carro para um desempregado — disse ela após nos cumprimentarmos com beijos na bochecha. Meu carro é um Cruze Hatch que comprei em uma feira de seminovos há quatro anos, não sendo nada muito bom e nem muito ruim, então ela claramente foi educada, mesmo fazendo uma piada.
Liguei o carro e comecei a dirigir em direção à estrada. Ela já tinha uma ideia de que iríamos para algum lugar fora de Jacuípe, porque não tem muito o que se fazer por la. Quem procura mais diversão noturna normalmente vai para Praia do Forte, que fica a uns 20km de onde nós estávamos, mas preferi escolher algum local mais próximo.
— Não sei de onde você tirou que sou desempregado. Sou um dos melhores corretores de imóveis do nordeste.
— Autônomo então, né? Nessa crise você consegue vender algo?
— Não tanto quanto eu gostaria, por isso que vim tirar umas férias aqui em Jacuípe. Procurando um lugar calmo para escrever em paz.
— Isso parece tão filme de terror: rapaz que larga a vida na cidade grande para se recolher no interior e virar escritor — ela riu, mas não me ofendi. Achei engraçado até, porque realmente já vi vários filmes de terror assim, como o interessante "A casa dos sonhos".
— E a mulher do escritor é sempre a primeira a morrer, não esqueça.
— Falando assim fiquei até com medo. Para onde o senhor está me levando, Stephen King?
— Tem um açaí que eu gosto em Guarajuba.
— Não conheço muito a região. Fui com minhas amigas em Praia do Forte somente.
— É perto. 10km só.
Não consigo imaginar o que se passa na cabeça de algumas mulheres. Ela acabou de me conhecer, e já estamos pegando a estrada juntos, só nós dois, rumo a um lugar que ela não conhece, em uma terra que não é a dela, somente porque ela me achou de boa aparência. E se eu for um estuprador ou um assassino? Isso me lembra o caso da garota que pediu carona em um grupo online de pessoas estranhas e foi assassinada e estuprada na estrada, acho que de Minas Gerais. Esse meu pensamento logo foi interrompido quando ela começou a coçar a perna direita. Olhei de canto de olho aquele shortinho apertando suas coxas brancas, deixando de fora praticamente toda a extensão de suas pernas. Voltei rapidamente os olhos para a estrada, mas de tempos em tempos fui forçado a olhar novamente em meio às nossas conversas, tentando disfarçar o máximo que pude.
— Essa terra é cheia de mosquitos — disse ela enquanto coçava um ponto vermelho acima do joelho.
— De onde você é?

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E se for tudo um sonho?
Romance"E se for tudo um sonho?" conta a história da vida de Henrique Polyakov, dividida em dois períodos de tempo distintos, um em meados de 2017 e outro no final de 2019. Aficionado em observar pessoas e seus comportamentos, o corretor de imóveis de 32...