21 DE JULHO DE 2017 - I

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— Foi o melhor mesmo, Marquito — falei após dar um gole no copo de cerveja.

— Mas vocês pareciam se gostar tanto — disse Marcos com um olhar cabisbaixo, como se o término do meu namoro com Fernanda o incomodasse mais que a mim mesmo.

O bar em que estávamos era um tanto caro, localizado na Pituba, um dos bairros mais caros de Salvador, mas Marcos insistiu que pagaria porque queria me ver e gostava muito daquele lugar. Na primeira vez sempre recuso, mas, quando insistem pela segunda vez, acabo aceitando, qualquer coisa que seja. Então estávamos os dois em cadeiras de madeira ao som de uma moça de cabelo rastafári cantando MPB e cobrando dez reais de couvert artístico obrigatório por pessoa. A música da vez era "na rua, na chuva, na fazenda" de Kid Abelha.

O bar era bem aconchegante com poucas luzes e música boa, mas tudo era caro. Só havia uma opção de cerveja, que era Heinekein — e foi a minha escolha —, fora as importadas e artesanais. Marcos escolheu uma das artesanais e pediu uma porção de aipim frito para comermos enquanto falávamos sobre a minha vida.

— Ela era tão ciumenta que eu me sentia preso no relacionamento. Quando não estávamos transando ou bebendo era sempre algo extremamente estressante para mim.

— Não parece que estamos falando da mesma pessoa... Ela sempre me pareceu tão de boa com você.

— Eu pensava assim como você, mas comecei a ver as coisas de forma diferente recentemente. Um relacionamento abusivo não se dá somente com desacertos físicos, mas quando o outro começa a te prejudicar ao achar que está agindo por direito, e era isso que estava acontecendo entre nós dois. O excesso de ciúme prejudicou a saúde do nosso namoro, e ela não conseguia perceber isso, de forma que o único que poderia dar um fim era eu e foi isso que fiz.

— E como você está segurando as pontas, riquinho? Tudo certo?

— Pensei muito antes de tomar a decisão, então vou conseguir sobreviver.

Não cogitei em momento algum falar sobre as minha consultas com a psicóloga — e agora hipnoterapeuta — Priscila. Não queria expor essa parte minha que considerava extremamente frágil nem mesmo para o meu melhor amigo, Marcos. A vontade de falar sobre isso e o quanto estava me ajudando a progredir era grande, mas a vergonha de ter minha intimidade exposta era maior ainda, mesmo sabendo que ele não contaria para ninguém.

O garçom então chegou com a porção de aipim frito que era dita especialidade do lugar. Veio bem enfeitada com alguns limões, queijo ralado e cebola flambada na cachaça. Achei estranha a parte da cebola, mas até que combinou. Enquanto comia, percebi que conhecia a música que a mulher estava cantando, uma versão própria de "La vie en rose", que pareceu até melhor do que a original ou qualquer outra versão que eu já tivesse ouvido. Comi os pedaços de aipim enquanto observava a moça dos dreads de longe com sua banda. Ela cantava de forma leve e com os olhos praticamente fechados. Suas bochechas eram grandes e a moça parecia ser bem gordinha, mas a distância e as roupas largas me deixavam em dúvida. Continuei maravilhado pela música enquanto ia catando os pedaços de aipim às cegas até que enfiei a mão na parte das cebolas flambadas sem querer.

— Mas que merda... Vou mijar e aproveito para lavar as mãos — falei a Marcos, que agora estava com zero interesse em mim enquanto falava algo com o garçom. Notei que ele deixou um bilhete na mão do meu colega e foi embora servir outras mesas. Na volta, certamente perguntaria se aquilo era parte de uma proposta indecente.

Caminhei entre as mesas, passando perto do palco e percebendo que a cantora não era gorda, apenas bochechuda. Ao me deparar com a porta dos banheiros, fiquei em dúvida qual era o feminino e qual era o masculino. O desenho em cada parede era de bonecos de palitinho, mas no escuro pareciam exatamente iguais. Esperei até que alguém saísse ou entrasse em algum deles para me guiar. Poucos segundos depois, veio uma garota baixinha e ficou me encarando, como se eu fosse idiota e estivesse impedindo seu caminho de entrar no banheiro correto.

— Henrique — disse a baixinha como se me conhecesse.

— Eu te conheço? — cheguei mais perto dela para tentar ver quem era, já que por algum motivo aquela parte do bar estava muito escura. Finalmente reconheci aquele pedaço de gente parado em minha frente, que agora estava diferente do habitual.

— Sou eu. Priscila. Tudo bem? — ela estendeu a mão para mim, mas achei uma puta falta de respeito para alguém que sabe mais da minha vida até do que eu mesmo, então a abracei forte. Ela ficou sem reação por alguns milissegundos, completamente desarmada antes de se permitir me abraçar de volta.

— Doutora, mal te reconheci nessa escuridão. E você está diferente, muito bonita sem aqueles óculos retangulares de médica. Não que você seja feia, mas hoje você está sensacional.

Percebi que estava pensando coisas que normalmente não pensaria e falando coisas que normalmente não falaria. É o que acontece quando começo a beber, ou melhor, é o que acontece quando saio com Marcos.

— Obrigada — respondeu claramente sem jeito. — Pelo visto nosso tratamento está dando resultados, não é?

— É verdade. Consegui terminar o meu namoro com Fernanda e não me sinto tão mal com isso.

— Sério? É um ponto interessante para conversarmos na próxima quarta.

Por um segundo, a última sessão passou pela minha cabeça como um flash. O hipnotismo realmente foi interessante e me fez encontrar a fonte do problema no meu relacionamento, além da meditação que me deixou mais leve. Voltando para o mundo real e encarando Priscila, a vontade que tive foi de finalizar aquela conversa antes de contar coisas que eu preferia guardar para mim, como a decisão que tive de não ir mais nos encontros semanais, apesar de todo progresso dos últimos dias.

— Claro, doutora. Agora, se você me der licença, preciso encontrar o banheiro masculino.

— É aquele ali, Henrique — apontou para a porta da direita.

Agradeci com a cabeça e entrei no banheiro vazio sem olhar para trás. O mictório era diferente de todos que já vi, com uma luz azul surgindo de baixo e pedras de gelo depositadas sobre o ralo. Achei engraçado meu xixi amarelado se misturando com o gelo chamativo iluminado. Enquanto me divertia, entrou outro cara no banheiro e parou para mijar ao meu lado, quebrando todas as regras do banheiro masculino onde sempre se deixa um mictório vazio de espaço entre dois homens. Desconfiei logo da masculinidade dele e me posicionei de forma a dificultar a vista do meu precioso por olhos alheios. O homem ao lado pareceu não se importar com a minha presença e saiu antes que eu tivesse terminado. Minha bexiga estava terrivelmente cheia.

E se for tudo um sonho?Onde histórias criam vida. Descubra agora