IV

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O peixe chegou após alguns minutos de conversas sobre as coisas engraçadas que só podiam ser encontradas na Bahia, como o acarajé super apimentado que Paulinha comeu, e frisou muito bem diversas vezes, ou a mania de colocar banana da terra na maioria dos pratos, com certeza ela examinou tudo nos mínimos detalhes". A comida acabou sendo mais que o esperado, já que os acompanhamentos eram basicamente em refil. No caso de querermos mais arroz, salada ou farofa, era só pedir ao garçom, apelidado carinhosamente de índio por todos na mesa.

A única que me acompanhava na cerveja era Paulinha, mas Rebeca não ficou atrás com seus copos intermináveis de caipirinha, o que a fez se soltar mais e abrir a boca para fazer piadinhas, às vezes, não muito divertidas. Ora ou outra ela voltava a me olhar, mas de forma diferente e menos frequente do que antes. Ana era a única que pedia água de coco e suco, evitando o álcool naquele momento. Para mim, era como a cura para a ressaca, combinando perfeitamente com o meu estado.

Tivemos uma longa discussão, Paulinha e eu, sobre quem tinha sido o melhor jogador de futebol de todos os tempos. Ela insistiu em Messi ter sido melhor pela visão de jogo e quantidade de campeonatos ganhos, mas obviamente estava errada, já que Cristiano Ronaldo é muito mais rápido e sempre foi uma máquina de fazer gols em cima dos grandes, diferente de Messi, que joga no maior de todos os times há 500 anos. Do nada, um papo muito estranho sobre ejaculação de baleias surgiu, cortando completamente o foco.

— É por isso que a pele fica cheia de coisinhas depois que a gente sai do mar — disse Ana.

— Porra, que nojo — retrucou Rebeca.

— Isso é sal, não esperma de baleia — respondi enquanto ria da reação de Rebeca.

— Não é sal — insistiu Ana. — Uma baleia ejacula 5 milhões de litros de esperma e transa cinco vezes por dia. São 25 milhões de litros de esperma por dia espalhados pelo oceano!

Paulinha deu uma gargalhada muito alta, e eu não consegui resistir, rindo na mesma intensidade — fortalecido pelo álcool —, enquanto Ana ficava atônita com confiança dos dados que estava mostrando. Rebeca também não conseguiu se segurar e caiu na riso.

— Vocês são idiotas — disse Ana, mostrando o dedo do meio.

— Você sabe o que são 25 milhões de litros? — disse Rebeca quando conseguiu se controlar. — É litro pra caralho!

— 25 milhões de litros são, mais ou menos... 25 mil toneladas — disse Paulinha com o celular na mão. — Uma baleia azul pesa 180 toneladas, então uma baleia ejacula... 139 baleias!

Eu queria falar, mas meu abdômen doía de tanto riso. Rebeca tinha entendido perfeitamente e chorava de rir, mas Ana estava lá com sua expressão confusa sem decifrar nenhum daqueles números que Paulinha estava tirando da internet.

— Oi? — perguntou Ana sem entender nada. — Você que é de exatas, sou de biológicas.

— Você é lerda, hein? — disse Paulinha logo após tomar mais um gole de cerveja, fazendo com que a minha musa finalmente acabasse rindo.

O garçom trouxe a conta após alguns minutos de conversas sobre outros temas aleatórios. O valor quase chegou aos 500 reais por causa do opcional de 10%, que, após a divisão da conta, todos pagaram. O índio agradeceu a gorjeta volumosa e desejou que voltássemos no dia seguinte para experimentar os outros pratos. Comecei a pensar no extrato do cartão que viria no final do mês, mas desisti de fazer as contas quando passei dos cem reais.

No fim, as amigas de Ana não chegaram a se molhar no rio, e eu, que sou um animal marítimo, acabei indo somente naquela vez. Caminhamos os quatro pela areia até chegar na rua de paralelepípedos. O carro alugado por elas estava estacionado a cerca de duzentos metros dali, onde haviam achado uma vaga. Todos andamos juntos pela rua em passos lentos, só que Ana resolveu reduzir mais ainda a marcha, chegando mais perto de mim e colocando seus dedos finos por dentro dos meus. Não falamos nada um com o outro, e o único barulho que podia ser ouvido era o bater de chinelos nas pedras quentes. As duas amigas conversavam sobre alguma coisa que não me importei em tentar decifrar, um pouco à nossa frente. Ana me olhou com um sorriso enquanto brincava com seus dedos entre os meus. De mãos dadas e observando aqueles olhos brilhantes esbanjando alegria, percebi mais uma vez — a décima pelas minhas contas —, que estava apaixonado por ela.

Em um dado instante Paulinha apertou o alarme em sua mão, e um Fiat Pálio prateado apitou ao nosso lado, o que fez Ana voltar dos seus pensamentos e soltar a minha mão, indo de volta à realidade. Era o mesmo carro que ela tinha dirigido desastrosamente no outro dia que me deu carona.

— Foi um prazer te conhecer, Henrique — disse Paulinha vindo me abraçar.

— O prazer foi meu, querida — a abracei de volta. Ela realmente tinha sido uma ótima surpresa que me foi dada nos últimos dias, uma pessoa de convivência tão fácil e super engraçada. Uma pena morarmos tão longe uns dos outros. Por fim, virei-me para abraçar Rebeca, que me olhava com o mesmo olhar do momento que nos vimos pela primeira vez. Pensei em estender a mão em vez de abraçá-la, mas passou pela minha cabeça que seria interessante forçar uma despedida mais calorosa.

— Prazer, Rebeca — abracei-a e senti algo esquisito. Parecia que ela tinha beliscado minhas costas ao passar os braços por trás de mim, mas poderia ter sido sua pulseira ou o relógio. Quando nos afastamos, notei um sorriso muito rápido, que logo sumiu.

Ana fez menção de me abraçar para se despedir também, mas antecipei seu movimento e a segurei pela cintura.

— Mais tarde devolvo a amiga de vocês — falei em voz alta, sem perguntar se ela concordava ou não com isso, o que não foi muito difícil de decifrar ao ver mais um sorriso no seu rosto.

— Claro, moço. Espero te ver novamente, porque você é um cara ótimo — disse Paulinha logo antes de entrar pela porta do motorista. Rebeca tirou a areia dos pés e entrou pelo banco do carona.

Espera me ver novamente aqui na Bahia, certo? Quero ver se eu aparecer lá em Minas o que vai acontecer, se sou realmente bem-vindo. Provavelmente saio de lá dentro de um caixão, morto pelo namorado/marido de Ana. Ainda não consigo acreditar como isso pode ser tão natural para todas elas... Ou melhor, para Rebeca não é nada natural com aqueles olhares estranhos me examinando o tempo todo. E ainda recebo um beliscão para completar o show de horrores.

— Cuida bem dele, Carolina — gritou Paulinha de dentro do carro enquanto dava ré para ir embora.

Antes que o carro prata sumisse, peguei Ana nos meus braços e a beijei como se o mundo fosse acabar a qualquer momento.

E se for tudo um sonho?Onde histórias criam vida. Descubra agora