VI

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Seus dedos passando por cima dos cabelos do meu peito me fizeram lembrar que já estava na hora de aparar os pelos. A vontade de fazer uma depilação a laser era grande, porque é um saco aparar os cabelos todos os meses. Cuidar da aparência no geral é sempre um saco, por isso que eu estava atualmente com uma cara de mendigo, barba grande, cabelo começando a ficar cacheado e sempre bagunçado, pairando sempre com um ar de psicopata no meu rosto. Pelo menos uma pessoa parecia não se importar com minha aparência, pois estava entretida com o meu corpo.

Observei por um bom tempo aquele rosto dos olhos puxados e grandes íris castanhas. Pareciam hipnotizados observando meus pelos, a mente perdida em pensamentos vagos. Fiz um cafuné interminável, também pensando em diversas coisas que nada tinham a ver com aquele momento — como na assinatura da Netflix que tinha sido debitada, e eu não estava utilizando —. Segundos, minutos... e permaneci ali com a mão em movimentos maquinais tentando decifrar o que estava acontecendo e o que ia acontecer nos próximos dias. Um aperto dentro do peito começava a me incomodar com a ideia de que aquele momento seria passageiro. Faltavam mais dois dias para Ana ir embora para Maceió, e eu ficaria por aqui, teria mais algum tempo para focar no livro e então voltaria para minha vidinha pacata. As contas começariam a chegar, e eu finalmente teria que encarar as coisas como elas são.

A vibração do celular de Ana interrompeu tanto os meus pensamentos quanto os dela. Não consegui enxergar quem tinha enviado a mensagem, mas ela pareceu um pouco nervosa, atrapalhando-se para desligar a tela antes que eu pudesse ver a prévia do que havia acabado de chegar. Claramente ela estava escondendo algo de mim, e o pior é que ela não percebia que seu comportamento já era suficiente para eu notar que algo estava errado, sem nem ao menos precisar saber que algum dos contatos dela chamado "Amor" de vez em quando enviava alguma mensagem.

— Suas amigas? — perguntei para testar se ela mentiria facilmente ou apreensivamente.

— Sim — respondeu sem pestanejar. — Não conseguem ficar um minuto sem a minha presença.

Por um milésimo de segundo senti uma vontade tremenda de contar a ela que eu sabia de tudo e aguentaria sua honestidade, sem guardar rancor. Tão rápido quanto surgiu, essa vontade desapareceu. Ela parecia incomodada com a situação, mesmo tendo contado uma mentira com tranquilidade, então se levantou, vestiu uma calcinha e abriu a janela do quarto para fumar seu cigarro pós-sexo, como da última vez. Não parecia se importar em estar com os seios à mostra na janela, sua mente estava totalmente focada em processar os fatos e achar uma solução para o dilema que a estava incomodando.

Ao terminar o cigarro, jogou a bituca pela janela rumo à rua vazia e voltou para pegar as roupas espalhadas pelo chão.

— Não precisa ir agora — já sabia que a resposta seria uma recusa, mas ainda assim eu tinha que tentar. Ela sorriu e se vestiu apressadamente, sendo o celular a última coisa que pegou.

— A gente se vê amanhã, marciano — disse após se inclinar na cama para me dar um selinho de despedida.

— Eu te levo.

— Não precisa, é perto. Escreve alguma coisa. Escreve sobre mim.

"Ultimamente só escrevo sobre você", pensei.

Ana já estava abrindo a porta do quarto para ir embora, mas então a fechou, voltou-se para mim e me beijou mais uma vez, dessa vez um beijo de verdade.

— Não posso sair na rua assim de biquíni sozinha. Preciso de uma camisa sua.

— Já disse que te levo.

Ela me olhou pensativa e pegou minha camisa branca do Led Zeppelin, que eu tinha deixado pendurada na cabeceira de madeira da cama. Ficou parecendo um vestido nela, cobrindo totalmente a parte de baixo do biquíni e um pedaço da sua coxa.

— É GG essa merda? — perguntou enquanto se olhava e puxava a camisa pelas laterais.

— Que fofinha você fica assim.

Elacomeçou a rir, tirou a camisa e se jogou em cima de mim. Rolamos pela cama eterminamos nos beijando no final do colchão. Parecia que nada mais a incomodava,e que eu servia muito bem para esquecer os problemas. Talvez fosse essa a minhafunção, servir como uma fuga do namorado que não a satisfazia romanticamente,sexualmente ou até profissionalmente, quem sabe. Pensar demais nisso só mefaria ter que voltar às sessões de terapia, então deixei rolar. Caso Anaprecisasse de carinho, eu daria. Se precisasse de um homem de verdade na cama,eu o seria. Até seu Uber eu poderia ser, contanto que pudesse estar ao seu lado,lúcido de que naquele momento não me incomodaria nem mesmo de ser o seu capacho

E se for tudo um sonho?Onde histórias criam vida. Descubra agora