II

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— Você é um filho da puta! — gritava Fernanda enquanto lançava um copo de vidro em minha direção. O nervosismo era tanto que não precisei mover um músculo para desviar do objeto que se quebrou na parede logo atrás de mim.

— Você é maluca?! Pare com isso! — gritei de volta sem saber o que fazer para controlar aquela situação.

Um dia imaginei que aquilo poderia acontecer, mas não pelos motivos que pensei. Como ela sabia que eu estava em um relacionamento com outra pessoa? Teria ela me seguido? Duvido que tivesse colocado um detetive atrás de mim, não era seu estilo. Sempre gostou de fazer as coisas por conta própria, abrir meus emails, checar minhas mensagens, cheirar minhas cuecas em busca de perfumes desconhecidos... como ela teria descoberto?

— Eu vou acabar com sua vida e com a dela! — gritou mais uma vez logo após jogar mais um copo na parede, mais perto de mim dessa vez. Talvez não tivesse a intenção de me acertar.

— Pare com isso, doente! Você não é nem minha namorada mais!

— Sou sim! Quem decide sou eu!

Sua pele, antes morena, agora queimava em um tom de vermelho. As lágrimas descendo por ambos os olhos e os cabelos bagunçados, uma mistura de ódio, tristeza e solidão. Fernanda estava completamente fora de si, puxando os próprios cabelos e gritando frases de ódio que não tinham nenhuma conexão com a realidade.

— Acorda, Fernanda! — gritei de volta e abaixei o tom em seguida, tentando amenizar a situação e controlar a raiva. — Você não tem mais o direito de cobrar nada de mim, o nosso relacionamento acabou.

— Você me traiu, Henrique! — os gritos diminuíram de intensidade e deram espaço para uma enxurrada de lágrimas e soluços. Ela então desabou no chão com as mãos cobrindo o rosto e não conseguiu dizer mais nada.

Não tive reação nenhuma àquela cena. A mulher que um dia me fez o homem mais feliz do planeta agora estava quebrada em cacos ao chão, em um estado pior até que os copos estilhaçados. Seu choro foi a coisa mais triste que já presenciei, e aquilo acabou comigo, trazendo à tona uma parte de mim que achei que não mais existia. Eu não podia de forma alguma deixar que aquilo continuasse por mais tempo, tinha que agir.

— Fernanda... — andei em sua direção, ajoelhando-me diante dos destroços da minha ex-namorada. — Por favor, vamos conversar...

Quando a toquei no ombro, prestes a abraçá-la, seu rosto foi descoberto com as mãos, revelando uma feição furiosa. Não tive reação a tempo de evitar que aquela faca me atingisse no tórax, apenas gritar de dor. Meu único reflexo foi empurrá-la para longe, ela caiu para trás, e o meu corpo fez o mesmo na direção contrária. O meu sangue escorria em grande quantidade, melando minhas mãos na tentativa de conseguir estancá-lo.

Fernanda tinha um objetivo claro de vingança e não ia desistir tão fácil. Levantou-se de perto do sofá onde tinha caído e, com a faca nas mãos, atacou-me novamente. Dessa vez, tive tempo de me defender com o primeiro objeto que encontrei pela frente. O ventilador de mesa que estava no chão da sala me serviu como escudo, defendendo a estocada da faca com sucesso e fazendo minha ex cair de lado sem equilíbrio. Sem nenhum raciocínio lógico no momento, o meu objetivo também era claro: sobreviver. Bem à minha frente estava o batedor de carne, entre os objetos de cozinha que ela havia jogado pelo chão quando começou a discussão. Antes que ela pudesse me atacar novamente com a faca, balancei o objeto de alumínio que a atingiu direto na cabeça, funcionando exatamente como um martelo.

Olhei ao meu redor e não consegui mais distinguir se aquele sangue todo era meu ou dela. Fernanda estava estendida no chão com os olhos abertos, sem vida. A arma do crime escorregou entre meus dedos sem que eu percebesse, caindo em um forte estalido no piso de cerâmica. O barulho agudo me tirou do transe e me trouxe de volta à realidade de maneira brusca, como tomar um choque no chuveiro de 220 volts.

— Não... não... — falei como se alguém pudesse me ouvir, como se ela pudesse me ouvir. — Não foi culpa minha, meu amor...

O abraço que tentei dar há alguns minutos, sem sucesso, agora foi a única coisa que parecia me confortar, mas não. Abraçar sem ser abraçado de volta era ainda pior do que a tristeza de ver o corpo sem vida da mulher que amei tanto no passado.

Uma vibração começou perto de mim de forma regular, interrompendo as lágrimas que agora vinham de mim. Procurei nos bolsos e nada encontrei, mas o toque do celular continuou cada vez mais alto, como se estivesse ao lado da minha cabeça...

Abri os olhos e me vi novamente sobre a cama daquela pousada em Barra do Jacuípe. O meu celular vibrava incansável com a tela acesa e com um nome em tamanho grande visível: "ANA". Demorei um tempo para perceber que acabara de acordar de um sonho... um terrível pesadelo, na verdade, tão vívido que temi levantar da cama e encontrar uma poça de sangue se espalhando pelo quarto.

— Ana? — perguntei ao atender o telefone, ainda atordoado sem acreditar no que era real e sem saber o quanto daquilo teria realmente acontecido.

— Até que enfim! — respondeu a voz doce que me acompanhava constantemente nos últimos dias. Somente aquelas três palavras foram necessárias para me trazer de volta à realidade e à percepção completa de que havia acordado de um sonho, e que nada daquilo foi real.

— Como é bom ouvir sua voz — falei a primeira coisa que me veio à cabeça, sem pensar.

— Quem é você e o que você fez com Henrique? — ela riu.

— Tive um pesadelo horrível. Parecia tão real...

— Coitadinho... como foi o sonho?

— Depois te conto. Por que está me ligando a essa hora?

— Sabe que horas são, querido? Quase meio-dia já!

Afastei o telefone do ouvido para que a tela ligasse automaticamente, revelando o horário de 11:49. Ainda era cedo, na verdade, para quem foi dormir tão tarde. Se não fosse aquela ligação, provavelmente eu só acordaria depois das duas da tarde.

— Enfim — disse a voz do celular bem de longe, então coloquei o aparelho de volta no ouvido. — Quero que você venha conhecer minhas amigas. Estamos aqui na praia.

— Não pode ser só nós dois?

— Vem logo. Vamos pedir um tal peixe assado na folha de bananeira, algo assim. Disseram que é o melhor da região, mas tem que escolher o peixe antes, e a gente não sabe nada dessas coisas.

— Deve custar uma fortuna.

— Pobre do inferno, vem logo. Tchau — desligou antes que eu pudesse responder.

Larguei o celular na cama, e as imagens do sonho voltaram à tona. Coisa estranha.

E se for tudo um sonho?Onde histórias criam vida. Descubra agora