E se for tudo um sonho?

IV

— Cara, você não sabe o que aconteceu — falou Titico em meio a todos. — Eu estava indo pra Goiânia semana passada, e uma mulher começou a fazer um escândalo no avião. Sabe essas velhas que têm grana e adoram arrumar confusão por tudo? Então, tinha uma dessas no meu avião. Ela começou a reclamar que eu tava ouvindo meu sertanejo e fazendo muito barulho.

— Pera, você estava ouvindo música no avião? Titico, você é muito sem noção, puta que pariu — disse Marcos começando a rir descontroladamente e fazendo todos rirem, inclusive o próprio Titico.

Ele é desses caras que sempre têm uma história para contar e, quando não têm, pegam algo simples e criam fatos para tornar mais interessante. Estávamos os amigos de infância sentados ao redor da bancada perto da piscina, e André mexia na churrasqueira. Normalmente quem prepara o churrasco é Marcos, que tem mais intimidade com essas coisas, mas aparentemente ele encontrou alguém tão bom churrasqueiro quanto ele e que preferiu preparar a carne logo. Maria e Larissa também estavam na roda, mas foram as que menos falaram ao longo da noite inteira.

— É porque eu não tinha achado meu fone de ouvido na mochila — continuou Titico — e eu tinha que ouvir minha música para passar o tempo, ué.

— Tinha que ouvir? Ninguém ouve música no avião, Titico. É falta de educação — disse Fabrício.

— Era o esquenta(*4) de Safadão, meu querido. Sei que lá na Alemanha não tem essas coisas, mas aqui é Brasil — disse Titico. — Já estava me preparando para os shows que iam ter lá em Goiânia.

— Mas e aí, Titico — interrompi. — A velha falou o quê?

— Cara, nem cheguei na parte boa ainda. Eu parei de ouvir a música depois que a aeromoça veio me pedir educadamente, mas aí a velha começou a resmungar em voz alta, dizendo que pobre tinha que andar de ônibus, que ali não era lugar para gentinha... Aí um cara do outro lado do corredor tomou as dores por mim e começou a discutir com a velha. Ele começou a perguntar se ela era rica mesmo ou só fingida e por que estava na classe econômica em vez de fretar um jatinho.

— Essas coisas só acontecem com você — disse Marcos quase gritando de tanto rir.

— Calma, tem mais. Aí ele se alterou para cima dela, começou a apontar o dedo em sua direção, chamando ela de "pertencente à classe burguesa fascista exploradora dos mais pobres" — fez o sinal de aspas com as mãos, tentando imitar o ar pomposo do homem. — Ela levantou também e chamou ele de comunista vagabundo, mandou ir trabalhar e ainda falou coisas racistas para a aeromoça, aí ele ardeu de raiva, os olhos quase saltando... E agora vocês não vão acreditar, o maluco era juiz! Deu voz de prisão na velha ali mesmo no avião.

— Puta que pariu! — gritou Marcos cuspindo a cerveja e chorando de tanto rir. Quem não tinha rido muito ao longo da história, finalmente deu uma boa gargalhada.

— Nossa, coitada da velha. Uma senhora idosa... o juiz perdeu a razão — disse Larissa após as risadas diminuírem um pouco.

— Ah, ela mereceu, porra. Quem manda querer parar meu sertanejo. Velha racista e ainda chamou o juiz de vagabundo... e durante o tempo todo os comissários de bordo tentaram apaziguar a situação, o povo só filmando. Pena que não pensei em filmar na hora, já que eu também fiquei puto com a velha, mas se vocês pesquisarem no youtube vão achar a filmagem.

— Eu preciso ver isso — falei enquanto pegava o celular do bolso e digitava "juiz dá voz de prisão avião".

O primeiro vídeo tinha algumas milhares de visualizações e mostrava uma mulher idosa de cabelos pintados de loiro gesticulando com as mãos. A imagem estava tremida, mas era possível ver a câmera virando para o lado, mostrando um homem de certa idade e poucos cabelos sobrando na cabeça. Todos que estavam na festa se juntaram ao meu redor, inclusive o churrasqueiro André, que deixou a carne assando no calor das brasas para participar da conversa.