III

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— Vai querer carona, Henrique? — perguntou Marcos enquanto pagava sua parte da conta.

— Vim de carro, fique tranquilo.

— O que faremos agora? Vai querer passar na casa de Thiago?

— Vou passar essa. Fica para a próxima.

— Você que sabe. Os amigos servem para essas coisas, não esqueça.

Ele estava certo, mas eu preferia ir para casa dormir ao invés de tomar cachaça com o resto dos amigos na casa de Thiago. O garçom trouxe a conta que foi dividida entre nós dois, mas não igualmente. Paguei as garrafas de Heinekein, e o resto ficou por conta dele, que fez questão de pagar os aipins fritos e uma porção de cebola empanada. Na saída, deparei-me novamente com a baixinha sem óculos.

— Doutora, você ainda por aqui? — perguntei ao tocar seu ombro. Quando ela se virou, pude ver que estava com o aplicativo do Uber aberto. — Um consultório chique daqueles e a senhora não tem um carro? Até eu tenho um.

— Oi, Henrique. Como eu bebi, vou de Uber — respondeu após um leve sorriso com a minha piadinha. — E você deveria fazer o mesmo, nesse estado...

— Já estou acostumado. Depois que bebo até dirijo melhor!

— Vou indo, riquinho. Dirija devagar — disse Marcos me cobrindo por inteiro com seus braços longos e largos e descendo os três degraus de escada em frente ao bar. — E use camisinha — gritou enquanto se afastava.

Bem que eu queria mesmo, mas tenho quase certeza que ela gosta de outra fruta.

— Cancela isso aí que eu te deixo em casa — falei para Priscila.

— Fica para a próxima, Henrique.

Pelo menos tentei. O mínimo que eu deveria fazer seria aguardar com ela até a chegada do Uber para que não ficasse sozinha naquele ambiente. Apesar de que provavelmente estava mais segura ali do que de carona comigo no carro.

— Então quer dizer que você só usa óculos para passar um ar mais profissional? — perguntei para puxar assunto.

— Essa é a imagem que passo? — ela riu. — Estou usando lentes de contato.

— Na verdade a imagem que você passa é a de uma mãe de santo quando se veste toda de branco e aparece com aquele colar esquisito.

— Sério? — ela começou a rir alto por alguns segundos até conseguir se recompor. — Você é sempre tão sincero assim depois que bebe? Nem parece o rapaz que se fecha tanto nas consultas.

— Não me fecho muito, só acho difícil encontrar as palavras certas para explicar as coisas que passam na minha cabeça.

— Posso usar algumas técnicas de PNL para ajudar nisso...

— Poderia parar de tentar me analisar aqui no bar, seria uma boa ideia.

Ela riu e não soube o que dizer. Em vez disso, pegou o celular para olhar onde estava o Uber. Vi que estava parado em um lugar próximo, provavelmente por causa de engarrafamento. Tentei puxar assunto novamente para não acabar em um momento constrangedor.

— Mas... falando sério, é diferente te ver ao natural. Sem os óculos e com o cabelo solto parece outra pessoa.

— É um mercado competitivo. Preciso manter a aparência sempre o mais profissional possível e me acabo fazendo cursos nos finais de semana. É difícil ter um dia como hoje, que posso ir para um bar com minha amiga.

Poderia ser namorada, mas disse amiga. Ainda não afastava minhas suspeitas completamente, mas já era uma pista na investigação.

— Também serve para que seus pacientes não se apaixonem por você.

— Verdade.

Ela me olhou e riu ligeiramente, tornando em seguida mais uma vez para o celular e vendo que a corrida tinha sido cancelada, e então o aplicativo buscava outro motorista.

— Que sacana, nem falou nada. Esperou esse tempo todo e cancelou — disse Priscila com uma irritação contida, quase educada.

— A carona ainda está de pé...

— Não deve nem ser o seu caminho, eu moro na Centenário.

E não era mesmo. Considerando que estávamos em um ponto central de Salvador, ela morava no canto esquerdo, e eu no canto direito. Pontos totalmente distantes na cidade, mas não é como se eu tivesse muito o que fazer pelo resto da noite.

— Cancela esse negócio que eu te levo.

— Você é sempre tão insistente?

— Só às vezes.

Ela me encarou pensativa, olhou para o aplicativo que tinha acabado de achar um motorista a oito minutos de distância. Pensou mais um pouco e cancelou a corrida.

E se for tudo um sonho?Onde histórias criam vida. Descubra agora