- Capítulo 3 - Destruidor de Sonhos

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     A guerra começou a tanto tempo que eu tinha apenas 3 anos de idade. Era uma guerra que durou 14 anos. E agora eu conseguia ver o rosto de cada um que meu pai já odiara tanto um dia. Percebi que todos estavam sentados na longa mesa para o banquete, parecia mais um encontro secreto, uma reunião talvez, do que um baile por si só. Ao me sentar do lado de meus pais, pude notar a diferença entre as cadeiras. O rei e a rainha sempre tinham assentos mais luxuosos do que os demais, cheguei a conclusão quando olhei apenas 4 pares de cadeiras daquele jeito. As bandeiras ao fundo me ajudaram a identificar quem era quem: a vermelha pertencia ao nosso reino, a bandeira azul representava Hansport, a cinza era de Greysand e por fim, a preta à Lorkland.

    Agora comecei a analisar cada rei e rainha. O rei de Hansport tinha cabelos grisalhos, barba volumosa e usava uma roupa totalmente azul e grossa, proveniente do clima frio de seu território, a rainha parecia ter mais vida, bochechas rosadas que destacavam belos olhos azuis. O rei de Greysand era ruivo, quase calvo, era mais baixo e mais rechonchudo que os outros, e a rainha parecia sua versão feminina. Quanto à Lorkland, pareciam ser mais frios do que os demais, pois tanto o rei quanto a rainha pareciam pessoas sérias demais, ajeitadas demais.

    E então pude prestar atenção às pessoas como eu. Os herdeiros posicionados ao lado dos pais. O príncipe de Hansport era lindo, tomado por uma graça sem igual, olhos azuis como o gelo e totalmente pálido. A princesa de Greysand tinha cabelos ruivos e parecia ter uma alma angelical. Por outro lado também havia o herdeiro de Lorkland, no qual era bem mais sério do que os outros, apresentando cabelos e olhos negros.

    Um barulho de tilintar de taças é escutado ao meu lado, era meu pai chamando atenção daqueles na mesa.

     -Senhores, senhoras. - Cumprimentou meu pai. - É uma honra reunir todos aqui para esta noite de esclarecimentos e acordos. Ao final também comemoraremos a paz entre os reinos. Agora, darei a palavra à Harris, rei de Greysand.

     -Boa noite à todos. Garanto que estejam se perguntando por que 4 reinos tão importante se reuniram depois de anos de guerra. A resposta é: estamos em alerta.

    Minha mente deu um nó. Alerta?

     -Existe algo além do oceano que está vindo para nos destruir. Algo profano, antigo e mal. Algo que não é humano, era uma lenda tão antiga que fora contada pessoa após pessoa, até os dias de hoje.

     -Como vocês sabem dessa coisa? Ou melhor, o que é essa coisa? - Perguntou o filho do rei de Lorkland, que permanecia quieto até então.

     -A guerra desestabilizou o andamento normal da natureza, alguém está utilizando a posse do Livro.

    O Livro.

    Um objeto tão antigo e tão importante para nossa história que era quase um pecado dizer o nome dele em vão. O Livro era o recipiente de uma magia antiga, assustadora.

    Toda pessoa portadora de magia era julgada em nosso território. Recebia sentença de morte independente do cargo que ocupava, nunca ousei questionar o por quê.

     -O Livro despertou seu portador. Uma lenda antiga, que quase virou um mito. Ruby, a deusa do mal.

    O nome se chocou contra mim como uma pedra. A deusa do mal era uma história que nos contavam quando éramos crianças e não queríamos dormir. Mas era real, não um conto.

     -E o que vai acontecer? - Perguntou a ruiva, herdeira de Greysand.

     -Bom, Ruby está vindo pegar o que é dela. E não está contente.

    Rei Harris se sentou no trono novamente, dando espaço de fala para meu pai.

     -Colocaremos nossos herdeiros nesta batalha. São eles que irão comandar desta vez, estaremos por trás. - Quando meu pai disse isso. Me senti triunfante a ponto de dar um sorriso gentil no meio de tudo aquilo. Eu vou poder proteger meu povo.

     - Disponho meu filho, Matthew. - Diz o rei de Hansport se levantando primeiro, meus olhos agora focam no garoto de olhos azuis como o inverno.

     -Disponho minha filha, Nora. - Continua o ruivo de Greysand.

     -Disponho meu filho e melhor guerreiro, Júlio.- Por fim, com uma voz grave, pronunciou o governante de Lorkland.

    Olhei para meu pai enquanto se levantava. Eu estava triunfante para que falasse meu nome.

     -E eu, gostaria de dispor meu herdeiro que minha esposa concebeu estes tempos: James.

    Quase desmaiei. Olhei para meu pai e para minha mãe e sua mão que repousava sobre o abdômen.

    Ela estava grávida. Por um milagre ela estava grávida.

     -Ele nem nasceu ainda e vai colocá-lo em uma guerra? - Pergunto alto o bastante para demonstrar minha indignação aos outros.

     -Sente-se e cale-se, princesa. Você não será mais a minha representante. Príncipe James será em meu nome. - Rebateu o rei sem nenhuma mágoa nos olhos.

    Meu reinado, minha coroa, meu povo… eu perdi tudo.

    Não conseguia sentir felicidade alguma, apenas raiva. Ódio.

    Não era programado, minha irmã também não esperava isso. Mas estava feliz pela notícia, até por que não era ela que teria perdido o reinado, a história.

     -Declaro oficialmente, que o baile da paz comece. - Disse meu pai, e todos da mesa foram se retirando aos poucos e espalhando-se pelo salão.

     -Se não gostou da notícia, seu silêncio seria mais prazeroso. - Ameaçou meu pai.

     -Eu sou uma princesa, eu nunca me calo. - Disse, e então me levantei.

    Nervosa. Eu estava tão nervosa que consegui perder a fome. Passei direto pela mesa farta de comida, abri as portas para o jardim e dois guardas me olharam.

     -Eu quero um tempo, saiam. - Resmunguei.

     -Mas… Alteza eu…

     -Saiam! - Repeti com mais autoridade, e desta vez eles não questionaram.

     Desci os degraus, passo a passo. Era uma tortura. Tudo uma tortura. Eu tinha uma vida planejada, eu tinha tudo para ser feliz e agora meus pais tiraram de mim. Eu estou feliz pois agora eu tenho um irmão, mas ao mesmo tempo estou com raiva dos meus pais por colocarem ele em uma guerra idiota mesmo sendo apenas uma criança.

    Sentei em um banco e me encolhi. Eu queria ver Sam. Eu só queria que ele estivesse aqui comigo.

    De repente, uma mão quente repousa sobre meu ombro, fazendo com que eu me espante. Assim que olho para trás, me deparo com Príncipe Matthew me olhando.

     -Está tudo bem, Princesa?

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