Seguir Em Frente | Capítulo Trinta e Dois

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Kenan recusara completamente quando Clarissa sugeriu falar com Lynn, assim que começaram a treinar com a planta. Ele alegara que, se Lynn conseguia manipular a história a ponto de deixar o Concílio em dúvida, podia manipulá-los do mesmo modo.

Não valia o risco, Kenan argumentara. Continuariam buscando maneiras seguras de descobrir sobre seus poderes e como trazer as memórias de Elisa de volta e, enquanto isso, conversar com Lynn estava fora de questão.

Mas alguma coisa dentro de Clarissa ainda se apertava, ansiosa. Depois de sair do salão, sentia-se perdida e incomodada, ainda conseguia ouvir as palavras de Elisa e sentir seus lábios nos dela, colados com um gosto de saudade, e ao mesmo tempo a decepção de saber que aquilo fora um erro.

Talvez tenha sido por toda a mistura de sentimentos conflitantes que foi parar naquele corredor cinzento, estremecendo com as memórias que tinha dali. Desta vez, encarava Lynn por trás das barras roxas e, por algum motivo, ela não pareceu surpresa ao lhe ver ali.

Lynn lhe encarou com olhos vorazes e Clarissa manteve a postura, tentando não recuar.

— Eu tenho todos os motivos do mundo para te odiar, mas... — disse, fazendo uma pausa. Clarissa tensionou os lábios e sentou-se no chão, sem se importar se Lynn estava mais alta, sentada na cama. — Realmente acho que você me ajudou nas escadarias, não sei aonde estaria se não fosse por aquilo. E também acredito que você se importa com Elisa, que sempre foi sincera, mas isso mudou por alguma razão — completou, mantendo o tom calmo e o olhar fixo nela, observando a face fina e bem delineada de Lynn fragmentada pelas barras arroxeadas. Tentava lembrar-se da garota doce das escadarias, de Elisa falando que Lynn sempre estivera ao seu lado, que eram próximas, que sempre confiou nela.

Tentou se lembrar de que Elisa se importava com Lynn. Tentou acreditar, pelo menos por alguns segundos, que ela também era a vítima ali.

— Acredita em contos de fadas também? Acha que vai encontrar o coelhinho da páscoa? — indagou ela, com uma risada baixa. Era impressão sua, ou Lynn parecia cansada?

Clarissa achou que fosse impressão, mas, por um segundo, a risada que era para ser irônica e debochada se transformou em uma risada cansada e quase derrotada. Aquilo lhe fez hesitar, uma pontada de incerteza crescendo dentro de si.

— Eu descobri que anjos são reais, estou em uma dimensão que os humanos nem sonham que existe, então, por que não? — perguntou, sem se exaltar. Estava disposta a ignorar as provocações dela e engolir sua raiva e mágoa em troca de descobrir mais sobre o que estava acontecendo com seus poderes. — Se tem alguém que pode ajudar a mim e Elisa, essa pessoa é você — disse, ficando surpresa com quão sinceras suas palavras saíram. Estava pensando em Elisa, percebeu. Em sua Elisa. Ela era tudo o que importava, muito mais do que as provocações de Lynn e do que as vozes em sua mente dizendo que aquilo era insano.

— E você acha que vou ajudar? — perguntou a querubim, levantando uma sobrancelha. Tudo nela parecia afiado e desafiador, prestes a cortar.

— Eu acho que tem uma pequena parte de você que ainda luta pelo que é justo e quer o bem de Elisa — insistiu, apoiando as costas na parede cinzenta e a encarando. Clarissa suspirou, baixando o olhar. De qualquer forma, estava cansada demais para retribuir o deboche e a ironia dela. Seria sincera, se conseguisse alguma coisa, ótimo e, caso não, seguiria o conselho de Kenan. — É nisso que estou confiando. Posso estar enganada, mas, pelo menos, saberei que tentei — concluiu. Lynn riu, uma gargalhada fria que fez Clarissa se sentir instantaneamente estúpida por estar ali. Realmente achava que ela lhe responderia?

Ficou um tempo em silêncio, lembrando-se de que o verdadeiro motivo para estar ali era Elisa. Precisava pelo menos tentar, tirar aquele peso de sua consciência.

Delírio | Criaturas CelestiaisOnde histórias criam vida. Descubra agora