Epílogo

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Estava frio quando abriu os olhos. Era um frio estranho, um frio de ar-condicionado ligado em uma temperatura baixa demais, roubando todo o calor da sala. Estava enrolada em um lençol e tentou puxá-lo junto ao corpo, mas o tecido era pesado e áspero, arranhando sua pele.

Tudo era uma imensidão cinza e fria, Clarissa percebeu que estava deitada em alguma coisa dura, provavelmente de metal. Todo seu corpo doeu quando se sentou e estranhou aquilo. Geralmente sentia tontura e cansaço, mas dor muscular era algo mais físico e impossível quando se estava morta.

Ofegou, confusa. Foi só quando respirou mais rápido em busca de ar que percebeu. Precisava de ar, não estava fazendo aquilo apenas por conforto e, quando prendeu a respiração, sentiu-se sufocada, seus pulmões arderam de modo desconfortável.

Soltou o ar lentamente, encolhendo-se. Foi só então começou a reparar nas coisas ao seu redor, na sala fria e cinzenta em que estava. Teria gritado de horror quando viu as gavetas de metal no que pareciam armários na parede, mas sua garganta estava seca e dolorida.

Clarissa jogou o lençol para longe, enjoada, e percebeu que usava apenas uma camisola branca e fina de hospital. Quando olhou para o lado, viu outra maca de metal igual à sua e havia outra pessoa ali, com os olhos fechados e coberta por um lençol branco até o peito.

Estava pálida demais e imóvel, havia um corte horrível em seu pescoço, mas não sangrava mais.

Foi aí que gritou, levantando-se em um pulo. Mal conseguiu se manter de pé, tudo doeu quando se apoiou na maca, mas logo correu até a porta, quase tropeçando no caminho e querendo sair logo do necrotério.

O som de seu coração disparado preenchia os ouvidos, tapando o silêncio. Batidas cardíacas. Parecia que fazia séculos que não ouvia e sentia aquilo.

Abriu a porta pesada de metal, curvando-se para frente e tropeçando pelo corredor. Apoiou-se na parede quando sentiu a ânsia de vômito, o abdômen se contraindo. Vomitou um líquido esverdeado, frio como água. E sentiu-se zonza, a pele fria lhe incomodando mais do que tudo.

Não estava pensando direito, só sabia que precisava encontrar Elisa, Kenan, Lucas ou Lena quando correu pelo corredor. Precisava saber se eles estavam bem, precisava saber se havia dado tudo certo. Lembrava-se de interromper a marca, de olhar para Lena do outro lado do salão, de ver Kenan lutando sem parar e então... Uma imensidão escura, vazia e silenciosa de tranquilidade.

Só então se deu conta: Não podia encontrá-los. Eles estavam mortos, e agora estava viva.

Clarissa ofegava sem parar, as luzes do corredor começaram a piscar e as lâmpadas balançaram com uma correte súbita de vento. Lágrimas escorreram enquanto o peito subia e descia com rapidez. O que aconteceria agora? Deveria conseguir mexer as pernas? A fratura na coluna... Como aquilo...

As sombras que as lâmpadas faziam lhe assustavam, tudo parecia se mover, até mesmo as macas paradas pelos cantos do corredor. Clarissa parou, tentando controlar as batidas irregulares em seu peito e fechando os olhos.

Desejou que as lâmpadas parassem de balançar e piscar, que as sombras fossem embora.

— Impressionante — comentou uma voz feminina, ecoando pelo corredor. Se virou em um pulo, novamente espantada, e percebeu que as lâmpadas estavam acesas de modo estável, sem piscar ou sombrear o longo corredor branco.

Viu uma garota loira apoiada na parede e ela usava roupas inteiramente pretas, com botas de salto alto que exibiam poder e força. Seus longos cabelos loiros espalhavam-se pelo ombro, seu sorriso era enigmático, Clarissa não sabia dizer se era sarcasmo ou mero interesse.

— Quem é você? — perguntou, e percebeu que sua voz estava falhando, como se estivesse há um bom tempo sem falar. Em um piscar de olhos, a luz do corredor se apagou por um segundo e, quando se acendeu, a garota estava em sua frente, lhe encarando com os olhos escuros e cheios de uma fúria quase animal.

— Depois de tudo isso, Clarissa, você ainda precisa perguntar quem sou eu? — indagou ela, levantando as sobrancelhas. Clarissa recuou e bateu contra uma maca, quase tropeçando e se apoiando na parede para não cair.

O barulho de metal machucou seus ouvidos, Clarissa mal conseguiu respirar ou se mover quando a menina loira se aproximou. Parecia ter a sua idade, mas seus olhos exibiam uma expressão mais antiga.

A encarou, e agora ela estava em sua frente, extremamente próxima. Continuou ali, paralisada ao observar os olhos completamente obscurecidos, os traços angelicais e os movimentos elegantes. Considerou correr, gritar, ou tentar a sorte com seus poderes, mal algo lhe dizia que seria inútil.

— Azazel — murmurou, quase sem voz. Sentia o frio emanando dela, tão próxima que quase podia sentir o poder que fluía de sua pele e observar o contorno de seus lábios rosados. Clarissa ofegava em um ritmo irregular, mas o peito da garota não se movia.

Ela sorriu, a luz se apagou uma última vez e Clarissa sentiu sua consciência ceder para um véu de silêncio e escuridão.  

Delírio | Criaturas CelestiaisOnde histórias criam vida. Descubra agora