A Rainha De Espadas | Capítulo Final

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— Preciso de panos limpos e água quente — disse Lena, se surpreendendo com a dureza e clareza de seu tom. Suas mãos tremiam, mas precisava focar em algo para organizar seus pensamentos e, agora, só conseguia pensar em cuidar de Elisa.

Estava no quarto dela, com a ruiva deitada de bruços sobre a cama. Ouviu a porta se batendo, sinal de que Kenan havia saído para buscar o que havia pedido e lhe deixando sozinha com Elisa. Lena se inclinou levemente, puxando a camiseta ensopada dela para cima e tirando-a gentilmente.

Deixou o tecido cair ao lado da cama de dossel, parecendo um ponto escuro e sinistro no quarto iluminado e cheio de detalhes delicados. Voltou-se para Elisa, inspirando fundo e tentando não estremecer.

Duas feridas se abriam em suas costas, descendo pela alça do sutiã. Não pareciam normais, eram como dois cortes gigantescos e necrosados, escuros contra a pele delicada e pálida da ruiva. Dali que a substância escura e viscosa escorria.

Parecia escura demais para ser sangue, brilhava levemente em dourado quando a luz batia em certos ângulos. Observou a ferida, tentando ter uma visão melhor, mas precisaria limpá-la primeiro e ter uma boa noção da situação antes de tentar curá-la.

Kenan voltou logo, lhe entregando os panos úmidos e mais uma pequena vasilha de metal com água morna. Ele esperou enquanto Lena limpava os dois cortes, tomando cuidado para não piorar a situação e tentando estancar o sangramento.

O corte estava tão ruim e profundo quanto imaginava, tomando boa parte de suas costas em feridas expostas, escuras e necrosadas. Nunca vira algo assim, não sabia que aquilo era possível. Que tipo de lâmina eles tinham usado? Quais seriam as consequências? Quase se sentia grata por Elisa estar desacordada, não queria imaginar a dor daquilo.

Kenan também parecia preocupado, ficou ali lhe ajudando por um bom tempo, mesmo exausto e cheio de cicatrizes. Ainda não tiveram tempo de descansar, não quando Clarissa continuava desaparecida e esperavam Lucas dar notícias.

Depois de limpar os cortes, a substância escura havia parado de escorrer. Cobriu a menina com um lençol fino, deixando os cortes expostos para não prejudicá-los. Entrelaçou a mão na de Elisa, fechando os olhos e usando o resto de sua energia para ajudá-la, tentando cicatrizar os machucados, ou, pelo menos, fazê-la recobrar a consciência para ver se estava tudo bem.

Surpreendeu-se quando Elisa se revirou na cama, com um gemido de dor e a face retorcida de desconforto, mas ficou inconsciente logo depois. Lena suspirou de alívio. Garantiu para Kenan que poderia ficar ali e que avisaria qualquer mudança. Depois disso, ele saiu para procurar por Lucas e ajudá-lo.

Uma eternidade pareceu se passar naquele quarto, enquanto observava Elisa e os machucados que não se curavam. Estava encolhida no sofá branco, as pernas dobradas e a cabeça apoiada em uma almofada, os olhos quase se fechando de exaustão.

Assustou-se quando a porta se abriu e Kenan entrou com Lucas, ambos com os músculos tensionados e gestos urgentes.

— O que houve? Ela está bem? — indagou, ajeitando-se no sofá. Eles trocaram olhares preocupados, hesitando antes de falar. Soube que eram notícias ruins, pois, caso tivessem a encontrado, Clarissa daria um jeito de estar ali com Elisa, ajudando-a.

— Não a encontramos — disse Kenan, e Lena tensionou os lábios.

— Ela não está no hospital? — perguntou, sem saber que queria ouvir a resposta. Clarissa havia lhe falado sobre o coma, sobre suas dúvidas. Quando estavam sentadas na sala aberta, observando as nuvens, ela havia dito que não conseguiria deixar Elisa em um momento tão tenso, procurar um meio de reviver e simplesmente ignorar toda aquela bagunça.

Lena havia instruído a procurá-la no hospital, provavelmente os poderes haviam reatado sua ligação com o corpo.

— Não está em lugar algum — disse Lucas, com um suspiro fraco, e sentou-se no banco do piano, girando-o para ficar de frente para Lena.

— O quê? — Ela levantou-se, franzindo as sobrancelhas.

— Ainda há os registros dela, mas ninguém parece notar o sumiço. Suponho que ela tenha acordado e alguém a encontrou primeiro — relatou ele, baixando o olhar pra o tapete branco e tensionando os lábios. Lena não sabia o que pensar. Aquilo era muito pior do que imaginava e estava tão cansada que não conseguia nem chorar ou se desesperar. — Cass é a Rainha de Espadas, não é? — indagou ele, e Lena inspirou fundo, assentindo com a cabeça. A mistura de energias, o modo como ela usara seus poderes e como eram algo inédito, podendo controlar energia angelical e demoníaca...

Fazia sentido. Espadas. O naipe do ar e das habilidades mentais.

— Asmodeus disse que havia demônios de todos os tipos usando da energia de Clarissa, criados por todos os seis príncipes. Se ela trocou energia com eles, se foi modificada pela energia demoníaca... — Kenan murmurou, encostado na porta fechada. Lena desceu o olhar quase inconscientemente para Elisa, desejando que ela se lembrasse de tudo, que ela acordasse e fosse a mesma querubim talentosa e cheia de soluções que sempre fora.

Dos seis demônios nascerá — recitou, estremecendo — A garota sem alma que ascenderá.

— Isso fica entre nós, não é? — indagou Kenan, preocupado. Sabia o que ele queria dizer. Com os poderes recém-descobertos de Clarissa e a profecia bizarra, não sabiam o que o Concílio ou o Conclave fariam.

— Sim, fica entre nós — concordou Lena, seriamente. Não podiam lidar com mais interrogatórios e acusações naquele momento.

Os dois lhe deixaram novamente sozinha, para que finalmente pudessem descansar, e Lucas dissera para que fizesse o mesmo. Assim que a porta se fechou, deixou-se cair sobre o tapete felpudo, sem energias para fazer mais nada.

Mal percebeu quando as lágrimas começaram a cair, mas logo estava com as pernas encolhidas e as costas contra a parede, soluçando forte como uma criancinha machucada. Pensou em Lynn, Elisa e Clarissa, pensou em como não conseguiu impedir nada daquilo. E era apenas o começo, não era inocente a ponto de pensar que Leviatã não voltaria e ele não era o único envolvido naquele plano.

Lena estremeceu e fechou os olhos. Aparentemente, a dimensão angelical nunca fora tão angelical assim.

Delírio | Criaturas CelestiaisOnde histórias criam vida. Descubra agora