INão sou nada
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
― Fernando PessoaSe o sonho
Faz com que tenhamos
Outra realidade,
Com que permaneçamos vivos
E mantenhamos as esperanças,
Então sonhemos.Tomemos
Para nosso leito
Um límpido e infindo céu azul.
Peguemos
Um punhado de nuvens
E delas façamos nosso travesseiro.
Recostemos nelas nossa cabeça.
Apanhemos
Para nosso lençol
Esse hálito diáfano.
Nele cubramos nosso corpo inteiramente
A fim de estarmos protegidos de monstros.Então, assegurados que estamos
Bem postados, em silêncio e fora de perigo,
Subitamente baixemos as pálpebras,
Cerremos os olhos e galguemos
Ao onírico mundo de Morfeu:Construamos um Mundo
Mais justo, mais calmo;
De alegrias, de filantropias;
De paz, de empatia! ―Um Mundo onde
O medo é apenas uma palavra
Para designar superação;
Onde a educação é inata!Um Mundo onde
O Amor é a religião universal;
Onde a Poesia sede a fiel discípula
Dessa universal religião,
Disseminando sua sabedoria,
Simples, porém essencial!Um Mundo onde
Possamos viver
E não sobreviver
A esse submundo!
Enfim, um mundo!II
Todos os dias
Um invisível relógio
Nos desperta na [de]cadência
Das eras [...]
― Nillson WeberMas acordemos,
Que o mundo é cruel
Àqueles que tão longamente sonham!
Assinemos cheques
Pelo nosso quarto ao relento,
Deixemos nossas esperanças
Como gorjetas,
Paguemos a taxa exorbitante
Pelos nossos sonhos!
E então, voltemos
Ao nosso trabalho monótono!Mas retornemos rápido,
Que nos espera o patrão
Na portaria, apontando
Um segundo de atraso,
Que deve ser pago
Com longas horas extras...!Debalde nos explicamos.
Sonhar??? Custa caro!!!
Trabalhe 25 horas por dia,
8 dias por semana,
32 dias por mês,
370 dias por ano para mim,
Que lhe darei, gratuitamente,
O direito de sonhar!!!
― Dize-nos o patrão.Abaixamos a cabeça!
Concordamos...
E seguimos até o enfado.Nossos corpos
Se misturam às máquinas ―
Já não mais sabemos distinguir
O que somos,
Quem somos;
Se somos...!III
Se é verdade que os homens gozadores,
Amigos de no vinho ter consolos,
Foram com Satanás fazer colônia,
Antes lá que do Céu sofrer os tolos!
― Álvares de AzevedoEstamos já velhos,
Sem esperanças,
Amargurados e resignados,
Mas temos uma fortuna;
E guardamos grandes momentos
De um intenso gozo solitário.Minha vida até que foi útil,
Pensamos nós
Sobre a lápide do filho
Que nunca tivemos;
Sobre a cama
Que jamais amamos
E que nunca houve nela amor;
Sobre o livro
Nunca publicado;
Sobre o jardim
De apenas flores e plantas;
Sobre a imensa piscina
Vazia, mas cheia de água!Sobre nossos sonhos choramos
Querendo regá-los com nossas lágrimas
A fim que medrem...!
Recorremos à nossa fortuna,
Mas não é suficiente!
Fazemos empréstimos extraordinários!
Até a nossa alma vendemos!
Mas nada, é tarde!
Não valem mais de nada!Desesperamo-nos...
Avançamos até o topo do prédio:
"O caminho mais curto,
Para uma jornada tão longa" ―
Proferimos estas
As nossas últimas palavras...
E de lá nos atiramos,
Sem cartas,
Sem sentimentos,
Sem sonhos...IV
Vamos, não chores... [...]
a vida não se perdeu.
[...]
Dorme, meu filho.
― Carlos Drummond de Andrade...Desassossegados acordamos
Sobre um leito
De madeira,
Sobre um travesseiro
De espuma,
Sobre um lençol
De pano!Esfregamos os olhos,
Aliviados!
Olhamos a hora
― Está cedo...
E voltamos a dormir,
Desejosos de voltar
A construir um mundo
Melhor, de sonhar
Com o futuro
Da humanidade!
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Pétalas Cadentes
PuisiO sentimento de um mundo devastado por suas violências. Embora escrito em 2016 - ano que houve grande repercussão acerca da imigração e dos refugiados de guerra - há poesias que abordam temas, por assim dizer, mais antigos, e, paradoxalmente, tão a...