I
Ponte!
Ali por mim posta.
Ali por mim construída.
Ponte, sem pilares;
Sustentada nos ares
Da minha imaginação.Entre mim e os sentimentos,
Ponte, estás a nos ligar!Correndo por ti a atravesso,
Chorando esse rio
Que abaixo de ti corre
Só Deus sabe pra onde,
Só Deus sabe para quê corre;
Mas corre incessantemente!A visão do mundo daqui de cima;
Ah como é bela essa panorâmica!
Uma visão privilegiada eu tenho daqui!
Tenho mas não a tenho aproveitado:
Estou sempre a correr triste e choroso;― Preciso manter esse rio de lágrimas!
Alheio ao que me pode ser útil;
Ah o ofício sem instante de ócio...II
Corre!
Eu corro apressado pela ponte
Que me leva aos sentimentos.
Tanto os tenho buscado do outro lado
― Essa minha lida, mas já sem ênfase,
Mas já sem tempo para o gozo.Sentimentos!
Por que vos trago a mim?
Que de vós quero
Se não vos aproveito?
Se por ventura aproveito,
De que me valham?Ah o enfado de buscá-los
Sempre para mim
Sem ideia do que com vós, fazer!
Ah a minha dor!O mundo é tão belo daqui de cima!
Por que não aproveitar a vista?
Por que buscar sentimentos tristes?
Sempre correndo na ponte, indiferente!Ah o amor e a paz e a felicidade ―
Posso vê-los todos daqui!
Posso com ócio,
Mas sempre no ofício!Por que correr?
Por que buscar
Sentimentos tão longe?
Por que criar
Ponte para isso?
Ah o incongruente...!
Ah a minha própria incompreensão...!III
Mas uma pedra fez
Com que eu caísse
No meio da ponte e me ferisse,
E sangrasse um sangue vário
De vários tons de vermelho!Ah o sangue
No rio de lágrimas, pingando!
Ah desgraça!
Ah terror!
Ah vergonha...De misturar água pura
Com sangue
Retirado dos meus pobres Irmãos,
Criando um rio de lágrimas
E sangue!Posso enfim
Ver quão belo é o mundo;
Mas é tarde!
Estou dominado de dor...Vejo o correr do rio
Já em rubro maculado.
Não suporto essa pungência
Por mim buscada!Adeus, adeus vida!
Deus tenha piedade de mim!
Vou cair, pôr fim a mim!
Pôr fim a improfícua lida!
Vou cair nesse rio de sangue
E lágrimas e me afogar!IV
E caímos! eu, ponte,
Sentimentos;
E mais lágrimas,
E mais sangue...Adeus ponte!
Não mais de ti preciso
Para buscar sentimentos;
Vários deles tem agora
O meu corpo afogado.Estou morto
De Vidas em mim!
Ah a morte
Da improficuidade!
Ah a vida!
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Pétalas Cadentes
PoetryO sentimento de um mundo devastado por suas violências. Embora escrito em 2016 - ano que houve grande repercussão acerca da imigração e dos refugiados de guerra - há poesias que abordam temas, por assim dizer, mais antigos, e, paradoxalmente, tão a...