Capítulo 08 - Lane Claire

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— Lane, você está aí? — me assustei ao ouvir a voz de Selena. Percebi que estava no escuro — Lane, eu não vou aguentar. Está doendo tanto.

— Selena? O que é que está doendo? Onde nós estamos? Por que está tão escuro? — eu me encolhi, sem entender o que estava acontecendo. Eu estava com Selena? Ela deixou de falar comigo a mais de oito anos, como era possível?

Tentei vê-la em meio aquela escuridão, mas o que encontrei não era nada parecido com a garota da casa ao lado. Na verdade, não sei porquê fiquei com tanto medo. Talvez fosse o sangue na faca, ou a mão que a segurava firme, não sei. Tudo que soube é que deveria correr. Mas para onde?

Estranhamente, aquela imagem me parecia familiar. Eu sabia que já a havia visto. Então, de repente, tudo começou a fazer sentido, como se fosse hoje. Eu deveria correr, gritar. Eu sabia o que deveria fazer, mas não me movi.

— Cuidado com o bicho papão! — era uma voz distante, como se saísse de um telefone, mas mesmo assim me fez gritar, com medo.

Acordei com o grito. Percebi que tudo não passava de um pesadelo e suspirei, aliviada. Esses pesadelos eram frequentes e quase sempre iguais, mas ainda não havia me acostumado. Na verdade, não conseguia me lembrar de tudo que acontecia, somente a mão com a faca e a frase continuavam na minha mente. Esses elementos eram o bastante para me aterrorizar, além do escuro. Às vezes via um rosto, mas logo tratava de esquecer. O pior de tudo é que eu sabia que não era só um pesadelo. Era uma lembrança.  

Eu sei que deveria ter contado aos meus pais sobre tudo que passei na casa de Selena, mas tive medo. Além disso, já tem tanto tempo, eu não me lembro de quase nada. Quase. Como eu disse, aquilo que lembrava era o suficiente para me aterrorizar.

Suspirei e resolvi me levantar.


[...]


Chegamos na agência de intercâmbio  para oficializar tudo, finalmente. Meus pais sempre souberam que eu amo balé. Eles sabem também que é meu sonho viajar pra terra onde o balé ficou tão famoso: a França. O que mais me encanta é todo o contexto histórico que aquele lugar tem. Tantas coisas aconteceram ali!

Assim que chegamos no local o funcionário perguntou coisas como meu nome, idade, data de nascimento, nome dos pais, pelo que eu me interesso, etc. Meus pais responderam todas por mim e eu mal ouvia.

— Já contou para seus amigos sobre o intercâmbio? — o homem perguntou, despretensiosamente, enquanto olhava alguns papéis.

É claro que meus pais responderam por mim:

— Sim! A melhor amiga dela, Selena Davis, está até cogitando a ideia de ir a França também. — minha mãe respondeu, sorrindo.

Definitivamente, eles estavam mais desatualizados do que eu imaginava. Fala sério, eu não converso com a Selena a mais de oito anos! Talvez eles tenham mencionado ela porque foi o mais próximo de melhor amiga que eu já cheguei e é claro que eles nunca diriam que eu não tinha uma melhor amiga. Não estou dizendo que eu seja solitária, eu só não converso o suficiente com alguém para considerá-lo um amigo. Ou talvez  tenham falado dela porque Selena realmente está cogitando ir a França.

— Lane Claire Adams, dezoito anos, faz aniversário em oito de maio, ensino médio completo, fez um pequeno curso técnico de biologia, é vegetariana, faz balé clássico e sabe cozinhar. Ruiva, olhos verdes, poucas sardas e 1,68 de altura. Mora em San Francisco, na Califórnia, com seus pais e irmãos... — disse o funcionário, confirmando e analisando algumas informações — Acredito que seja o suficiente, por enquanto. Vou passar um formulário para vocês preencherem. Esse formulário deve ser entregue para mim daqui uma semana. — meus pais concordaram, enquanto ele se virava para pegar alguns papéis que me entregou em seguida.

— Entraremos em contato com a senhorita depois que tudo for analisado. — ele disse, enquanto olha os papéis — Ah! Já estava me esquecendo do mais importante! Para onde você deseja ir? Normalmente deixamos essa pergunta por último, já que ela deve ser respondida no outro formulário. E também gostamos do suspense.

Meus pais se prepararam pra responder, com um sorriso.

— Ela quer ir pra... — começou minha mãe.

— França! — eu praticamente gritei enquanto olhava para minha mãe com uma cara que dizia —"por favor, deixe essa pra mim"— Eu quero ir pra França. Eu amo balé e quero conhecer de perto o lugar de sua origem. Esse sempre foi meu sonho. Também gostaria de fazer um curso completo de balé, para me tornar oficialmente uma bailarina. Ah, e um curso de culinária também, já que eu amo a comida francesa e quero aprender a fazê-la.

Minha mãe me olhou, orgulhosa. Ela sempre admirou a determinação com que eu falo das coisas que gosto. Diz que é bom ver que eu sei exatamente o que quero.

Eu pesquisei bastante sobre a França, em todos os aspectos. Tem uma boa educação, mas não melhor que a nossa; tem um ótimo contexto histórico, já que participou da Revolução Francesa, Era Napoleônica, etc.; bons pontos turísticos; uma das melhores gastronomias do mundo; as melhores roupas e perfumes; economia nada comparada a nossa, porém pode ser considerada boa; grande poluição atmosférica proveniente de emissões industriais e de veículos; poluição da água a partir de resíduos urbanos, resíduos agrícolas; alguns danos em florestas por chuva ácida.

Assim como qualquer outro país, a França tem seu lado bom e ruim. Boa história, comida, entretenimento, economia, educação. Fauna, flora e hidrográfica destruídas. Na verdade, é bom tocar no assunto. Eu sou uma fiel defensora do meio ambiente e me irrita muito saber que um país que tinha tudo para ser perfeito, destruiu quase toda a sua beleza natural.

Depois de analisar tudo isso, percebi que não importa. França é o meu sonho. Eu não ligo de ter que começar uma rebelião contra o desmatamento e a poluição, se isso for fazer meu país dos sonhos um lugar melhor.

O intercâmbio começa em janeiro, daqui quatro meses. Meus pais já estão planejando a festa de despedida que insistiram em fazer para mim. Provavelmente, seria no natal ou ano novo, para reunir toda a família. Só consigo pensar no quão importante essa viagem é para mim.


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