Capitulo XII - Caíque

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Deixei o apartamento de Sophia deixando um bilhete amoroso de bom dia e explicando por alto o que tinha me levado a deixá-la no meio da noite. Eu sabia que ela amassaria o papel quinhentas vezes me odiando, mas depois guardaria com carinho e tentaria ser compreensiva. Eu não podia assustá-la com aquela noticia, ela teria um colapso com a possibilidade da nossa pequena bebê estar viva; eu precisava ter certeza, antes de contar a ela. 

Dirigi o mais rápido que pude pelas ruas desertas, ouvindo apenas o som das batidas desreguladas do meu coração e a minha respiração arfante. O céu estava nublado, cheio de nuvens negras que permitiam apenas alguns fechos de luz passarem para iluminar pequenas partes da cidade. O tempo parecia estar espelhando o meu humor: desesperado e angustiado. 

Desde que desliguei o telefone as lágrimas não paravam de brotar nos meus olhos, ás vezes jorrando fortemente, outras vezes contidas e pesadas. Meu coração doía com a possibilidade do meu pai ter me traído daquela forma, doía por descobrir da pior maneira que ele era mais desprezível do que eu imaginava... Eu sempre soube que ele poderia ser frio e indiferente quando preciso, eu herdei isso dele, afinal, mas nunca pensei que ele poderia ser um monstro sem escrúpulos, capaz de dar fim a uma pessoinha tão pequena e frágil, apenas para me dar uma lição. 

Um estalo ecoou forte na minha cabeça me dizendo que ele não fez aquilo apenas para me corrigir. Ele tinha outros motivos, outros interesses... Ele não se preocupava o suficiente com seus filhos para agir friamente daquela maneira apenas para o "nosso bem". Existiam coisas podres demais por trás daquela história; tão podres que ele fez questão de se certificar que eu não voltaria tão cedo para o Brasil, para que elas não me encontrassem de nenhuma forma. Ele sabia que elas viriam atrás de mim, que me contariam, que o denunciariam... Tudo foi calculado. Todas as suas atitudes intragáveis durante esses anos que fizeram-me ficar no Estados Unidos, longe dele e da minha família, era para que eu não descobrisse o que ele tinha feito a minha filha. 

Soquei o volante com força. 

Fui burro ao pensar que ele honraria o nosso acordo. Ele não era um homem de palavra e tinha me dado provas o suficiente para que eu não caísse igual um patinho na sua armadilha... Mas eu caí. Caí feio e agora estava pagando as consequências, estava sentindo a dor dos machucados. 

Parei na entrada da rodoviária e desci do carro o mais rápido que pude. Caminhei pelos amplos corredores, sentindo o frio do ambiente subir pelos meus ossos, me causar arrepios. Olhei em volta, procurando alguma garotinha de cabelos loiros, mas só via algumas pessoas tomando seu café da manhã sentadas nos bancos de espera. Seria um trote? A mulher que me ligou estaria brincando comigo? Não, não pode ser. Ninguém sabia sobre Anabelle, ela era um segredo meu e dos que estiveram comigo e com Sophia durante a gravidez. Não poderia ser um trote, ela teria que estar aqui em algum lugar. 

Rodei o primeiro corredor todo, olhando para os rostos de todas as pessoas que estavam ali, começando a entrar em um alto nível de desespero, minha mente rodopiando, perdendo a noção de tudo até que eu a vi. 

Alinhada no colo de uma moça morena, de cabelos pretos, parecendo jovem demais para cuidar de uma criança de dez anos. Seus dedinhos minuscúlos brincavam com as mechas soltas do cabelo de sua protetora e seus longos cabelos loiros encaracolados estavam caídos para trás. Todo o meu corpo paralisou e meus pés cravaram no chão, meu coração que já não estava em um estado bom, desregulou ainda mais quando os olhos da morena pousaram sobre mim com pena e dor misturados ali. Ela cochichou algo no ouvido da garotinha que desceu do colo confortável e virou-se para mim. 

Todo o ar da minha atmosfera foi sugado quando olhei para a réplica de Sophia quando era mais nova. Seus cabelos loiros como o sol, da mesma cor diferente da mãe, juntavam-se em caixinhos bem comportados; sua pele alva, parecendo tão sedosa e bem cuidada, a deixavam igual a uma bonequinha de porcelana. Sua boca avermelhada naturalmente como a da mãe, mas o formato igual ao meu. Seu rosto quadrado porém rechonchudo era minha herança também. Os olhos de um azul tão jovem e luminoso me davam a sensação de que tinha voltado no tempo; voltado para o dia em que Sophia me olhou pela primeira vez. E o sorriso... Aquele sorriso era inegável. Eu o via todos os dias no espelho desde que tinha voltado para o Rio de Janeiro. Aquele sorriso era meu. 

Romeu e JulietaOnde histórias criam vida. Descubra agora