Capitulo XXIII - Caíque (parte 02)

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 "Hey amor, os sábios seguiram uma estrela
Do jeito que eu segui o meu coração 
E isso me levou a um milagre. 
É o momento mais bonito do ano
Luzes enchem as ruas espalhando muita alegria
Eu deveria estar brincando na neve
Mas eu estou de baixo do visco 
Com você, garota, com você..."   Mistletoe (Justin Bieber)

A viagem de volta ao hotel foi silenciosa. 

Ninguém tentou iniciar uma conversa. Ninguém fez nenhuma pergunta. Nenhuma objeção. Nenhuma desistência. Nada. Apenas o silêncio aterrador, quebrado, ás vezes, por um suspiro alto. 

Suspiros que tinham muito à dizer e muito à temer. 

Os demônios que nos rodeavam formavam uma cerca cada dia mais estreita á nossa volta. Não havia escapatória por nenhum lado: teríamos que enfrentar mais cedo ou mais tarde. As roupas sujas tinham que ser lavadas e os perdões concedidos. A paz nunca reinaria em nossas vidas e em nossos corações enquanto aquilo permanecesse em nosso encalço, lembrando e cutucando feridas expostas. 

Nós precisávamos daquilo. Da aproximação e do resgate. Precisávamos lembrar a nossa mente entorpecida o que era viver em um ciclo familiar.

E eu precisava catalogar todos os erros de Marcus Avellar e me certificar veementemente que não cometeria os mesmos delitos. Que não seria o pai distante e sem emoções; o marido grosseiro e sem escrúpulos; e o homem sem valor e dignidade. Precisava acordar todos os dias relembrando cada lugar ferido dentro de mim, cada dor aguda no peito, cada saudade esmagadora, cada episódio sem chance de esquecimento, cada carência de afeto e os inúmeros outros danos sofridos na infância até a maior idade. 
Precisava lembrar para nunca permitir que o dna paternal se fizesse presente. Nunca permitir que o lado que se parecia muito com Marcus Avellar tornasse frequente sua aparição.

Nunca permitir. Nunca permitir. Jamais. – aquele era o meu mantra a partir de agora. Acordaria todos os dias o recitando incansavelmente. Nunca permitir. Jamais. Ser um péssimo pai e um marido ainda pior. 

Eu seria para a minha família tudo que ele não fora para a nossa. Eu seria o pai amável e carinhoso e o marido devoto até o último fio de cabelo. E aquilo não seria difícil. 

A porta do elevador se abriu em um baque surdo e sem aviso. Duas malas ocupavam ambas as minhas mãos: uma era de Joana e a outra de Elena. Poucos objetos e roupas, apenas o essencial.

Elena não quis nada que a lembrasse da sua estadia naquela casa e eu assinava embaixo com todo o meu apoio aquela decisão. Ela, por mais que tenha feito sua escolha, não merecia a vida que tinha levado até agora. Mulher nenhuma merecia, era a verdade. E o fato de cada terminação de seu corpo parecer determinado a esquecer qualquer tipo de vínculo com Marcus era motivo o suficiente para que eu lhe desse todo o amparo e força que necessitava para seguir em frente com aquela mudança. Ela merecia uma vida feliz e cheia de paz – era a minha mãe, afinal. Merecia tudo de melhor que eu pudesse oferecer. Me carregou nove meses incansavelmente, brigou por mim com a mesma força de vontade e, finalmente, fez a escolha certa.  

Vasculhei toda a sala de estar com os olhos á procura de Sophia. Já era noite e o relógio digital pregado a parede me alertava que a hora da ceia se aproximava. 

- Já que não tem nenhuma boa garota para ajudar a mostrar seus quartos, eu mesmo o faço. – gritei com humor para que qualquer uma das minhas meninas ouvisse. Voltei meus olhos para Elena e Joana que me olhavam sorrindo. Estavam relaxando pela primeira vez durante aquelas horas. 

- Papai! – Ellen foi a primeira a aparecer. Estava composta por um vestido vermelho vivo de mangas longas e saia rodada acima do joelho. Suas orelhas, pescoço e pulso estavam enfeitados com o conjunto dourado com pequenos diamantes encrustados que havia lhe dado de presente de natal adiantado. Seu cabelo longo caía em ondas por seus ombros até pouco acima da cintura e seus pés estavam calçados com sapatilhas pretas com pequenos laços. 

Romeu e JulietaOnde histórias criam vida. Descubra agora