Amanda Linhares
— Anda, Amanda! Vai se atrasar pra escola! Levanta!
Minha mãe gritou tão alto que foi impossível não escutar, enrolei pra sair da cama, mas depois dela gritar mais três vezes, eu levantei. Eram ainda quatro e trinta da manhã, mas já estava tarde pra mim. Geralmente eu acordava às quatro em ponto, mas eu não escutei meu despertador. Por sorte minha mãe saía às cinco horas da manhã de casa, pra trabalhar, então eu nunca me atrasava. Eu gostava de tomar um banho demorado, comer com calma e me arrumar pra ir pra escola, mas pelo horário, não daria tempo.
Era moradora da Rocinha, a maior favela do Rio de Janeiro e a segunda maior da América Latina, mas não estudava ali, minha escola era longe e rígida com horários, estudava no Pedro II, meu campus ficava em São Cristóvão. Eu tinha que sair de casa seis horas se quisesse chegar na escola às sete e trinta.
Tomei um banho rápido pra não sair muito tarde de casa.
— Tô indo, meu bebê! Cuidado na rua, fica atenta! Qualquer barulho de tiro, se esconde, tá? — disse beijando minha testa.
Infelizmente minha realidade era essa, vivia com medo de ser atingida por uma bala perdida e lá na Rocinha, volta e meia, havia um confronto.
— Tá bom, mãe. Chegar no trabalho, me dá um alô! — estava pegando um copo pra pôr leite e achocolatado, assim como todas as manhãs fazia.
— Faz o mesmo quando chegar na escola, e quando chegar em casa também, mamãe te ama. — ela destrancou a porta e jogou um beijo no ar pra mim.
— Tá bom, mãe! Também te amo! — fiz o mesmo.
Ela foi trabalhar e eu fiquei sozinha em casa, arrumei minha mochila com coisas além do material escolar. Geralmente as sextas-feiras eu praticava educação física na escola, então eu levava roupa de ginástica, toalha e tudo mais que eu precisasse depois de me exercitar. Levei também uma muda de roupa comum, trabalhava em uma gráfica perto da escola e lá sempre vivia cheio pois vários estudantes iam lá a todo instante pra tirarem xerox ou imprimir algo. Não ganhava muito, mas eu também não era de gastar, então aquele salário me supria.
Desliguei tudo e saí de casa, com os fones no ouvido e no último volume, como de costume, minha mãe dizia que um dia eu ainda ficaria surda. Desci minha viela e dobrei a esquina que antecedia um ponto de venda de drogas, vulgarmente conhecido como boca de fumo.
Sempre passava de cabeça baixa, não gostava de falar com quem era do movimento, tinha medo de jogarem piada, principalmente pelo fato do meu ex-namorado estar no meio dos traficantes. Sim, ele era traficante, mas quando a gente namorava, ele era só um garoto comum, que gostava de jogar bola e de ficar conversando comigo por MSN até o dia amanhecer.
Não o culpava por ele ter entrado nessa vida, ele só começou a traficar por conta de sua mãe que adoeceu. Assim como a minha mãe, a mãe dele o cuidava sozinha e não tinha nenhum amparo de seu pai, que era um zero à esquerda, assim como o meu. A gente se identificou no começo de tudo por causa das nossas histórias que se pareciam, nossas mães eram coladas por conta da nossa proximidade, eu vivia na casa dele e vice e versa, só que com o adoecer de sua mãe, ele se viu sem saída.
Semanas antes dele entrar pro movimento, nós brigamos feio, ele estava muito estressado pelo fato da mãe dele estar morrendo e ele não estar fazendo nada, o tratamento era caro, o salário que ela ganhava mal dava pra casa e como ela estava de cama, a mesma nem trabalhava mais.
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Entre A Paz E O Caos
RomanceUma jovem de dezoito anos, negra, periférica, nascida e criada na favela da Rocinha, localizada na Zona Sul do município do Rio de Janeiro. Com um pai ausente, foi criada sozinha pela sua mãe. Seu maior sonho é ingressar em uma faculdade e sair de o...