Diogo Novais
Acordei sentindo minhas costas ferverem, abri os olhos vagarosamente e vi que a minha janela estava sem cortinas... De novo! Minha cabeça latejava, vestígios de uma quinta-feira agitada. Demorei a sair da cama, estava moído da noitada, só lembrava de alguns poucos flashes que de vez em quando, se mostravam pra mim. Me sentei na cama e me espreguicei longamente, estalando cada articulação que eu conseguia. Fui até o banheiro e pelo jeito, o Hulk havia bagunçado toda a casa. Como eu havia chegado bêbado, eu nem lembrava da casa naquele estado, na verdade eu não lembrava nem de como eu tinha chegado em casa, fui até a sala e minha cortina novinha agora se encontrava na boca imensa daquele American Bully gordo.
— É a quarta cortina em menos de um mês, Hulk! — me sentei no sofá o olhando rasgar cada centímetro daquela fibra brilhosa, que agora estava completamente babada. — Cê tem que parar com essa mania feia de comer minhas coisas. — afaguei a cabeça dele e ele veio abanando o rabo na minha direção.
Ele era um pitbull, mas eu não quis cortar a orelha dele e nem o rabo, eu achava que isso deixava o animal mais agressivo desde filhote, e o que Hulk tinha de tamanho, ele tinha de amoroso, e pra mim tinha a ver com as orelhas e rabo dele que estavam perfeitas e em seu devido lugar.
— Cê tem que me prometer que nunca mais vai fazer isso com o papai, promete? — ele latia como quem entendesse o que eu dizia, o mesmo pulou em cima de mim e começou a me lamber carinhosamente, sorria enquanto dava tapas amigáveis pelo corpo gordo dele, eu amava aquele cachorro demais.
Decidi parar de enrolação e pegar as coisas pra limpar o apartamento, mesmo sentindo minha cabeça mais pesada que o normal, o Hulk me ajudava arrastando o pano molhado pela casa. Éramos só eu e meu bebêzão.
Meu celular não parava de vibrar e havia diversas mensagens pendentes, uma delas era de uma mulher linda que eu estava afim de ficar há tempos. Abri a conversa que dizia "Esqueci minha calcinha aí, guarda pra mim, tá?". Calcinha? Eu tinha transado com ela? Como assim eu não lembrava? Maldida bebida, me fez esquecer o que eu mais queria relembrar.
Okay, tinha uma calcinha pra eu achar no meu apartamento e eu estava orando pro Hulk não ter comido ela. Limpava a casa e conforme os cômodos iam ficando limpos, eu ia olhando embaixo das coisas pra ver se eu achava algum pedaço de tecido diferente.
— Caraca, cadê essa calcinha, Hulk? — ele me olhava com aquela língua grande pra fora, ofegante. Eu parecia um maluco falando com ele, mas eu sentia que ele conversava comigo e eu conseguia entender tudo.
Lembrei que a única parte que eu não havia limpado tinha sido a área que o Hulk ficava, na varanda, e fui até lá. Junto com a cobertinha dele de dormir, que por sinal estava imunda, tinha um farrapo de renda, vermelho, todo rasgado.
— Poxa, Hulk! Cê não sabe não comer as coisas que não são pra comer, não? —eu o olhava sério e ele me olhava leve, sem se importar, parecia até que ria da minha cara.
Com certeza aquela mulher nunca mais voltaria lá em casa, ou se voltasse, não ia deixar nada a vista do Hulk.
Quando me dei conta, o dia estava escurecendo e então comecei a caçar pela casa minha farda. Incrivelmente, esse era o único pedaço de pano que o Hulk não via necessidade em rasgar, comer, ou urinar em cima, acho que ele sabia que eu precisava daquilo pra comprar as guloseimas caninas dele.
Coloquei tudo na máquina de lavar e a liguei, sábado eu ainda estaria de folga então daria tempo da minha farda secar, demorava bastante pelo tecido ser muito grosso, mas eu só voltaria pro batalhão domingo, pra minha alegria.
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Entre A Paz E O Caos
RomanceUma jovem de dezoito anos, negra, periférica, nascida e criada na favela da Rocinha, localizada na Zona Sul do município do Rio de Janeiro. Com um pai ausente, foi criada sozinha pela sua mãe. Seu maior sonho é ingressar em uma faculdade e sair de o...