Felipe Ribeiro
— Bom dia, filho! Dormiu bem? — disse gentilmente.
— Bom dia, tia. — disse sorrindo — Não consegui dormir, mas fiquei deitado, descansando as costas.
— Tava com dor? — disse sentando do meu lado.
— Não, não. Só tava sem sono mesmo.
— Então... Vamos tomar alguma coisa. — disse batendo carinhosamente na minha coxa.
Assenti simpaticamente, a acompanhando com sua ajuda até a cozinha, e me sentei na cadeira em frente a mesa, enquanto ela tirava os alimentos da geladeira e os colocava na mesma. Estava me sentindo tão a vontade, tão confortável, tão amado. Mas eu não podia ficar mais ali, por mais que eu quisesse muito, eu precisava voltar pro meu mundo sujo, previsava cuidar da gestão do tráfico e tempo era dinheiro. Quanto mais tempo eu ficava ali parado, mais dinheiro ia embora.
— Tia... — procurava a melhor forma de dizer sem magoá-la.
— Oi, filho! — disse fechando a geladeira com o pé, já que suas mãos estavam ocupadas.
— Vou ralar depois de comer, tá? — disse a olhando sério.
A feição dela mudou e ela ficou menos animada, suspirou me olhando e apoiou o peso do seu corpo na perna direita.
— Felipe... A sua perna tá...
— Eu sei que tá machucada. — a interrompi — Por minha culpa mesmo, aliás. Mas eu não posso ficar parado, não posso te dar mais dor de cabeça, não posso continuar oferecendo risco a vocês. — engoli a saliva — Eu preciso voltar pro pessoal, e eu juro que tô ótimo! Você cuidou de mim como ninguém e eu devo minha vida a senhora. Mas eu preciso ir.
Ela olhou pro teto e suspirou novamente, com uma mão na cintura, estava pensativa.
— Se quiser ir agora — puxou uma cadeira —, eu faço um lanchinho pra você comer em casa. — disse se sentando de frente pra mim.
Soltei o ar que eu prendia, estava apreensivo, e sorri, assentindo. Ela sorriu sem mostrar os dentes e pegou na minha mão, a acariciando carinhosamente. Beijei sua mão com todo o pouco amor que sobrara em mim, eu era eternamente grato a ela.
— E mais uma vez, tia — eu precisava falar aquilo novamente, só assim minha consciência ficaria limpa —, desculpa por ter gritado contigo ontem. Maior mancada da minha parte, tô ciente. Mas foi sem querer. — disse a olhando.
— Tá tudo bem, meu filho. Já passou. Não se preocupa com isso. — disse sorrindo.
Assenti sorrindo. A mesma levantou e logo após começou a montar um sanduíche, era pra mim.
— Seu fuzil tá embaixo da minha cama. — disse tranquilamente, terminando de embrulhar o último sanduíche num papel laminado.
— Se eu descer armado, a senhora se incomoda?
— E você vai conseguir subir? — disse sem me olhar.
— Consigo.
— Vai lá. — disse séria.
Levantei vagarosamente e andei mancando até a escada. Subi degrau por degrau, demorei no mínimo três minutos até chegar no segundo andar. Entrei em seu quarto e sem acender a luz, me sentei no chão, ao lado de sua cama com dificuldades. A pouca luz do poste da rua invadia seu quarto e me permitiu ver um lençol branco estampado com flores roxas, embaixo da cama, pude perceber que a ponta do meu fuzil não estava coberta. Puxei o lençol que o mesmo estava enrolado até o fuzil vir completamente pra mim.
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Entre A Paz E O Caos
RomanceUma jovem de dezoito anos, negra, periférica, nascida e criada na favela da Rocinha, localizada na Zona Sul do município do Rio de Janeiro. Com um pai ausente, foi criada sozinha pela sua mãe. Seu maior sonho é ingressar em uma faculdade e sair de o...