Capítulo Cinquenta e Três

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Felipe Ribeiro

Sempre que eu me sentia triste ou queria respostas pra me sentir menos pior, procurava a dona Caetana, era certo. Cada um tinha uma forma de lidar com a dor, alguns bebiam até cair, outros usavam drogas até não aguentarem mais e outros buscavam conforto no espiritual, seja indo à igreja católica, ou indo à igreja evangélica. No meu caso, eu ia a terreiros.

— Não precisa se preocupar, mãe. — disse ao vê-la buscando uma cadeira pra mim.

— Vai ficar em pé que nem um poste, menino? — perguntou bem humorada, me fazendo rir.

— Então fica aí com a cadeira que eu vou pegar o restante, tá aonde?

— Embaixo do gongá, é um pano branco. Tem umas coisas dentro, cuidado.

Assenti e fui em direção ao terreiro, entrando no espaço sem chinelo ou armas e indo até o gongá. Gongá era o altar sagrado do espaço, nele tinham itens religiosos como fios de contas, pontos riscados, copos com água fluidificada, estatuetas de santos... Eu sinceramente não entendia quem tinha medo, se vissem como o ambiente era bem iluminado e confortável, mudariam de ideia.
O altar era oco por baixo e esse oco servia pra guardar outros itens religiosos. Assim que afastei a renda que servia de cortina pra tampar o interior do gongá, vi o pano branco que a dona Caetana havia me dito. O puxei com cuidado, ele servia de bolsa pra guardar outras coisas dentro. Com cautela, levei o pano pro exterior do terreiro e o pus em cima da mesa.

— Nada melhor do que jogar ao ar livre, não é? — suspirou, sentindo o vento fresco da tarde.

— É. — disse me sentando na cadeira.

Esperei ela arrumar a mesa, nessa parte eu não podia a ajudar, era algo que só ela podia e sabia fazer. Se eu colocasse a mão, poderia interferir a energia límpida do trabalho dela com a minha energia suja.

— Tudo aqui. — disse tirando uma vela da caixa, colocando-a em um pires e a acendendo — A água. — disse se levantando e indo até a torneira do tanque, enchendo o mesmo e voltando — Pronto. — respirou aliviada, esfregando as mãos — Preciso que você escreva o seu nome completo nesse papel — me mostrou — junto da sua data de nascimento. — me entregou uma caneta.

Enquanto eu anotava o meu nome, vi ela tirando um baralho surrado de uma caixa surrada, tudo parecia ser bem velho. Eu era completamente leigo nesses assuntos, ainda não sabia como funcionava a tiragem de cartas, mas aceitei conhecer depois que a dona Caetana propôs.
A mesma molhou seu dedo indicador direito no copo d'água e encostou no baralho, fechando os olhos e cochicando algo que eu não entendia. Assim que acabei, pus a caneta na mesa e isso fez com que ela abrisse os olhos.

— Já jogou alguma vez?

— Nunca.

— É um baralho cigano. — me mostrou — Você vai embaralhar o quanto quiser mas enquanto isso vai sussurrar o seu nome completo e a sua data de nascimento pras cartas escutarem. — me entregou o mesmo.

No fundo achei estranho e entendi no sentido literal. Tipo, a carta escutava mesmo? Ela realmente escutava? Mas não a questionei ou duvidei, só a obedeci. Embaralhei as cartas diversas vezes enquanto falava bem pertinho delas:

— Felipe Ribeiro Pessanha. Trinta e um de outubro de mil novecentos e noventa e nove.

Acabei de embaralhar e olhei pra dona Caetana, esperando a próxima instrução.

— Com a mão do seu coração...

— Como assim "mão do coração"? — perguntei confuso.

— A mão que fica no mesmo lado do coração.

Entre A Paz E O CaosOnde histórias criam vida. Descubra agora