Felipe Ribeiro
Eu não me reconhecia mais. Quer dizer, eu até me reconhecia, só era estranho pensar que eu mudava completamente quando estava apaixonado. Não conseguia manter aquela postura séria perto da Brenda, sem sorrir ou ser simpático, ou até mesmo ser minimamente carinhoso. Não estava acostumado com afeto, ainda era um pouco novo pra mim externar isso, mas ela conseguia me fazer demonstrar mesmo que sutilmente. Estava totalmente rendido por ela, pelo jeito leve dela. Pela beleza que dentre todas daquele morro, só ela tinha. Era natural e era surreal ao mesmo tempo.
— Já vai! — gritou, após eu tocar a campainha — Tô botando o chinelo!
Ri e voltei pra perto da moto, olhando no retrovisor. Procurava defeitos em mim mesmo, vendo se eu estava apresentável o suficiente pra ela. Percebi as sobrancelhas bagunçadas e molhei o polegar com saliva, passando nas mesmas e as deixando uniforme. Dei uma olhada na minha roupa, cabelo também que já estava precisando de um corte e enquanto eu estava me ajeitando completamente distraído com a minha imagem, escutei o portão abrindo juntamente a uma respiração ofegante, de alguém que estava correndo pra me atender o mais rápido possível.
— Eu tava procurando o outro pé de chinelo — levantou o pé esquerdo, indicando qual calçado estava perdido —, por isso demorei. — disse rindo.
— Não reparei a demora. — menti, mas de qualquer forma não havia ligado porque deu tempo de eu me arrumar pra ela — Aqui — peguei a sacola que estava no guidão da moto, a entregando —, agora deve tá derretido, mas se pôr no congelador...
— Açaí! — exclamou animada ao abrir a sacola — Eu tava morrendo de vontade mas eu tava sem tempo pra ir comprar! — disse notavelmente feliz — Muito obrigada! — me abraçou.
Ela cheirava à água de colônia, um cheiro fraco e gostoso de laranja. A abracei forte, sentindo conforto nos seus braços e o seu beijo em minha bochecha, me fazendo sorrir aberto.
Sem um aviso prévio, roubei um beijo rápido e descontraído dela, que gargalhou e me devolveu em dobro, num beijo calmo e molhado, me fazendo arrepiar e aquecer. Aquele sentimento bom de ternura me fazia ter a vontade de poder parar o mundo e congelar naquele momento pra sempre. Era ótimo me sentir daquela forma.— Entra! — interrompeu o beijo.
— Só não posso ficar muito. — a avisei previamente — Você acorda cedo amanhã, é sacanagem da minha parte. — me justifiquei antes dela perguntar.
— Não pensa nisso agora, vem! — me puxou pela mão, descontraída, fechando o portão em seguida.
A acompanhei e ao abrir a porta da sua casa, vi um monte de folha pautada e livros espalhados pelo chão, em um círculo. Entendi que o espaço vazio no meio era onde ela estava sentada, estudando antes de eu chegar.
— Comendo livro, hein. — zombei, pegando um deles do chão — Língua portuguesa... — disse lendo a capa de um deles, já surrado, com as folhas quase soltas — Tá estudando o quê? — a olhei, enquanto ela fechava a porta da sala e se aproximava de mim.
— Colocação pronominal. Próclise, mesóclise e ênclise, mas já vou pra outro tópico porque esse é fácil e eu já fiz vinte atividades, então já entrou na minha cabeça. Errei nenhuma atividade. — disse de forma convencida, indo até a cozinha.
— Gente inteligente é outra coisa. — disse descontraidamente, a escutando rir — Que que isso de próclise? É assim que fala? — perguntei com estranheza, rindo.
— Sim. E é colocar o pronome antes, no meio, ou depois do verbo. Nessa ordem. Próclise, mesóclise e ênclise.
Tinha tanto tempo que eu não pisava em uma escola que eu simplesmente não lembrava desses tópicos, eu também nunca fui tão bom assim em português. Não sabia nem o que era pronome. Inclusive, na época da escola eu não tinha uma matéria favorita, mas eu me amarrava em praticar esportes. Jogar bola, vôlei, basquete, queimada... Se deixasse, eu ficava por horas jogando sem nem cansar ou sentir sede.
Devolvi o livro pra onde ele estava e ela voltou à sala, comendo seu açaí que estava mais líquido do que sólido, mas ela não se importou em bebe-lo.
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Entre A Paz E O Caos
RomanceUma jovem de dezoito anos, negra, periférica, nascida e criada na favela da Rocinha, localizada na Zona Sul do município do Rio de Janeiro. Com um pai ausente, foi criada sozinha pela sua mãe. Seu maior sonho é ingressar em uma faculdade e sair de o...