Felipe Ribeiro
— Desce, vai! — disse abrindo a porta do carro.
Chegamos a Rocinha, sem mais empecilhos. Havíamos passado por mais algumas viaturas, todas da Polícia Militar convencional, mas nenhuma cismou com o nosso carro.
Estávamos na área da mata, mas não iríamos matar o médico. Só quisemos subir com o carro, andar demoraria muito e eu estava tão cansado de atirar, de correr de um carro pro outro, que eu e todos preferiram assim. Depois depenaríamos o carro, haviam algumas peças novas que davam pra reutilizar, e por fim, queimaríamos a carcaça. Não poderíamos deixar aquele carro ali, com risco de ser encontrado.
De quebra, descobrimos que aquele carro era de uma militar da Marinha do Brasil, a mãe daquele bebê era Primeira Sargenta. Ela havia esquecido seus documentos no carro, só lembrou de pegar a criança e o seu celular, que eu não a vi o pegando, mas já que não estava em lugar algum do veículo, com certeza ela devia ter escondido na roupa.
O médico me obedeceu, saiu do carro em silêncio e nos acompanhou até o QG, já estava tudo preparado. A enfermaria estava pronta pra ele, tudo que precisaria estava lá. Pinças, gazes, álcool, agulhas e linhas cirúrgicas. Sempre estávamos preparados pra essa situação. O CL já o esperava na cama.— Quer alguma coisa? — o olhei, enquanto tirava o chinelo e adentrava na casa.
— Água, por favor. — disse desconfiado.
— Vem.
Nonato já estava lá com os outros, o entreguei o fuzil que estava comigo e ele encarou o médico seriamente, que ficou perceptivelmente desconfortável.
Fui até a cozinha, peguei um copo e a garrafa d'água fresca que estava na geladeira. Quis deixar ele à vontade, relaxado, pra poder operar o CL em paz.
A cabeça do cara devia estar a milhão, nem conseguia imaginar.
Ele estava tendo um dia normal, até ser sequestrado por traficantes, pra realizar uma operação obrigatoriamente.
O servi, coloquei a garrafa na mesa de centro e me sentei no sofá, esticando minha coluna. Estava exausto. Assim que ele fosse embora, eu iria dormir até tarde. O mesmo bebeu a água toda, ele mesmo se serviu novamente e após, respirou fundo, olhando a todos e me olhando por último, focado.— Me leva no rapaz que tá machucado.
Joguei minha cabeça pra trás, estava cheio de preguiça, mas tive que levantar. Andei até os fundos da casa, o mostrando o caminho e abri a porta de um quartinho que ficava bem escondido. Encontrei o CL deitado na cama, mexendo no celular e rindo de algo que via, provavelmente em alguma rede social. O mesmo me percebeu no ambiente e logo desligou a tela do aparelho. Olhando pra mim e após, olhando pra alguém atrás de mim, o médico.
— Esse é o doutor Ulisses. Ele vai tirar a bala de você. — disse alternando o olhar entre o médico e o CL.
— Como você vai? — o médico disse simpático, se aproximando.
— Bem. — o CL disse sorrindo.
Entraram no quarto Nonato, Gordo e Mauzão, sabia que era só curiosidade, mas não pedi pra que eles saíssem. Quanto mais gente ali, menores eram os riscos do médico tentar algo contra o CL por raiva do que havíamos feito com ele.
— Onde tem álcool e luvas aqui? Quero começar logo.
— Nesse armário tem tudo, pode abrir. — o Gordo respondeu.
— Preciso que alguém seja o instrumentador. — disse nos olhando.
Ficamos em silêncio, nos entreolhando, na esperança de alguém ali saber o que aquilo significava, mas não fazíamos ideia do que era um instrumentador. O médico percebeu que não havíamos entendido e pigarreou, se preparando pra explicar da forma mais clara possível.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Entre A Paz E O Caos
Storie d'amoreUma jovem de dezoito anos, negra, periférica, nascida e criada na favela da Rocinha, localizada na Zona Sul do município do Rio de Janeiro. Com um pai ausente, foi criada sozinha pela sua mãe. Seu maior sonho é ingressar em uma faculdade e sair de o...