Felipe Ribeiro
A ficha ainda não tinha caído, parecia mentira eu ainda estar vivo. Eu me tocava freneticamente, só pra ter certeza que eu não estava louco e que a minha carne ainda estava ali, comigo. Aliviado mas ainda trêmulo, olhei pra Amanda que chorava assustada e sem entender o que estava acontecendo. Pra falar a verdade, nem eu estava entendendo bem, eu só escutava muitos tiros atravessando e estilhaçando os vidros das janelas. Num impulso quase impensado, a puxei com força pra perto de mim, mesmo que eu ainda estivesse magoado com ela, eu não aguentaria a ver morta de uma forma tão violenta. Eu também não seria a garantia da sua vida e bem-estar, mas eu tentaria a proteger com o resto de força que me sobrava.
— Fica aqui! Não grita. — cochichei pausadamente.
Seus olhos arregalados me deixaram em dúvida se ela realmente havia me escutado já que ela não me respondeu ou esboçou qualquer outro tipo de reação. Me desfoquei dela ao escutar o Nonato gritando "Não é a polícia, porra!", se não era a polícia significava que eram rivais e que todos ali morreriam se eu não tentasse me salvar, eu não podia me permitir morrer pelas mãos de seja lá quem fosse, eu havia acabado de escapar da morte certa de um inimigo declarado meu, não deixaria que um desconhecido me matasse. Então, com calma e ignorando tudo o que acontecia em volta, estiquei uma das minhas pernas e comecei a puxar a pistola dourada da mão do Johny, que estava relaxada e aberta, me possibilitando pegá-la.
— Felipe, não! — a Amanda cochichou, chorando.
Eu não podia deixar aquela chance passar, iam nos matar, eu sabia, eu precisava pelo menos tentar.
— Você quer viver? — a olhei — Porque eu preciso viver. — uma lágrima rolou — Eu preciso.
A Brenda, eu precisava falar que eu estava vivo pra ela, eu não queria que ela fosse embora achando que eu estava morto, eu não estava, eu estava bem ali, vivo, respirando e lutando pela minha vida.
A Amanda assentiu e eu enchi meus pulmões de ar, me preparando pra matar... Matar uma mulher, pela primeira vez. Era questão de vida ou morte, não a mataria por pura maldade minha, mas por questão de sobrevivência, se eu não a matasse, ela me mataria e sendo sincero, ela não sentiria culpa alguma. O pouco tempo que eu convivi com a Kamila, percebi que pra chegar no topo ela era capaz de tudo, até matar um colega, ela era completamente diferente do Da Boca, que morreu por mim. A AK me mataria por ela mesma, pra ganhar conceito no morro e quem sabe tomar meu posto de Braço Direito do futuro Frente, quiçá se tornar a futura Frente.
Sem mais pensar, mirei em sua cabeça e puxei o gatilho, rápido, a vendo cair já sem movimentação do corpo. Rapidamente mudei minha mira, atirando no Nonato, mas em sua costela. Quando eu percebi que havia conseguido, tentei ignorar a dor que eu sentia em tudo quanto era parte do meu corpo, me ergui lentamente sem tirá-lo da mira e me aproximei tentando controlar o tremor e o medo que queriam me dominar.— Larga o fuzil, filho da puta. — disse irredutível.
— Coé, Lpê. Me mata, não. A gente era irmão. Mata eu, não.
Seus olhos estavam lacrimejando, ele prendia a vontade de chorar. Juro que por um segundo cogitei deixar ele vivo, talvez fosse o certo a se fazer. Mas pessoas mudavam constantemente, num dia eram bondosas e amorosas, no outro eram traiçoeiras e maquiavélicas, e esse infelizmente era o caso do Matheus Levi, mais conhecido como Nonato. Ele tinha sido um bom amigo enquanto deu, vivi o pouco de infância que me restou quando entrei no tráfico quase junto dele, era bom. Mas agora a lei da selva predominava e essa lei é a mais clara que existe: o mais forte sobrevive. Naquele instante eu era o mais forte, então eu merecia viver. Merecia viver pela Brenda, pelo meu futuro que me esperava ansioso e pela minha futura filha, eu precisava ver seu rosto, a segurar no colo, a matricular em algum esporte... Eu precisava senti-la.
Nonato pedia com os olhos pra eu preservar sua vida, mas já era, meu dedo já estava no gatilho. Puxei-o em direção à sua cabeça e dei fim a ele, que relaxou o corpo mas permaneceu me olhando. Meu estômago embrulhou com aquela cena mas antes que eu pudesse senti-lo contrair, escutei a Amanda puxar o ar assustada com o que via. Ela estava pronta pra gritar mas mesmo sentindo desconforto pra curvar, me forcei a aquilo minimamente e cobri sua boca, impedindo-a.
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Entre A Paz E O Caos
RomanceUma jovem de dezoito anos, negra, periférica, nascida e criada na favela da Rocinha, localizada na Zona Sul do município do Rio de Janeiro. Com um pai ausente, foi criada sozinha pela sua mãe. Seu maior sonho é ingressar em uma faculdade e sair de o...