Felipe Ribeiro
Abri uma brecha da cortina, deixando a claridade do dia adentrar. O celular antigo da Brenda me acordou, ele tocou insistentemente até que eu levantasse e desligasse ele, indicava que já era hora dela se arrumar pra escola.
— Brenda. — cochichei, a balançando levemente.
Ela não respondeu, apenas resmungou e continuou dormindo. Insisti, a sacudindo um pouco mais forte, vendo seus olhos abrirem de forma um pouco irritada, me olhando.
— Tá na hora da escola. — disse baixo — Levanta.
— Eu não vou. — disse sonolenta, se virando.
— Tem certeza?
Não fui respondido, ela voltou a dormir em segundos e eu não insisti mais. Talvez estivesse equivocado em deixá-la dormindo, talvez ela não fosse gostar quando ficasse sabendo que eu não a ajudei a acordar, mas poxa, ela já fazia tanto todos os dias. Todos os dias acordava cedo pra estudar, trabalhava de uma da tarde até às seis, depois estudava mais até às dez da noite... Sua vida era muito corrida, ela merecia descansar, mesmo que contra a sua vontade.
Decidi que a deixaria dormir e me vesti. Óbvio que eu não iria embora sem que ela tivesse a ciência, a acordaria pra dizer que eu estava indo, mas eu ainda não estava, eu só precisava sair e voltar antes que ela acordasse por vontade própria. Cacei seu molho de chaves e não foi muito difícil o achar, ele estava em cima do móvel do quarto. Peguei com cuidado pra não fazer barulho, aproveitei também e abri sua gaveta vagarosamente, pegando minha guia de Ogum, fazendo a cruz com ela sobre meu corpo e a pondo. Após, saí dali bem devagar pra que sua porta não rangesse, andando com leveza até a área externa, o que não foi algo difícil pra mim, tinha facilidade em andar sem fazer barulho.
Subi na minha moto e com ela desligada, me distanciei de sua casa pra só então a ligar. A meta era fazer tudo antes dela despertar, então eu faria tudo o mais rápido possível.
A primeira parada foi na farmácia, eu precisava de uma escova de dentes, eu odiava não escovar os dentes de manhã. Mas o meu foco principal era outro, eu também precisava de levonorgestrel, mais conhecido como...— Pílula do dia seguinte, tem? — perguntei retraído.
A farmacêutica expirou, completamente impassível, parecia entediada e cheia daquele emprego, ou talvez ela só tenha achado a minha pergunta idiota. É óbvio que teria pílula do dia seguinte, ali era uma farmácia! Mas eu nunca tinha ido comprar pessoalmente, geralmente eu dava o dinheiro pras meninas e elas iam sozinhas. Era a minha primeira vez comprando aquilo, por isso que eu não tinha um roteiro de cór.
A mesma pegou seis caixinhas na prateleira e as jogou no balcão com certo desdém e má vontade, como quem pouco se importasse com a compra.— Tem Neodia, Diad, Pilem, Pozato Uni, Poslov e Hora H. Vai levar qual?
— Qual você indica? — eu não entendia nada sobre a eficácia desses remédios, mas sabia que dentre eles existia um mais e um menos eficaz.
— Sem dúvidas — empurrou a caixa na minha direção —, Diad.
— Vou levar esse então.
— Toma o primeiro comprido e o segundo doze horas depois de ter ingerido o primeiro. Só levar até o caixa e pagar.
— Valeu.
— Nada. — respondeu com a mesma animosidade, zero.
Eu estava leve, feliz pela Brenda ter confiado em mim a ponto de perder sua virgindade comigo. Me sentia poderoso, eu havia sido o seu primeiro homem, ela me achou digno pra isso. Mas apesar da felicidade e da sensação boa de bem-estar, não podia negar que eu estava preocupado.
Não havíamos nos cuidado, não usamos camisinha e no calor do momento eu acabei gozando dentro dela. Inegavelmente queria ser pai, mas ainda não era o momento, não queria estragar o seu futuro que era promissor. E também eu não queria colocar alguém no mundo pra sofrer graças a mim e por mim. Jamais me perdoaria se eu tivesse um filho e usassem ele pra me atingir de forma indireta. Enquanto eu pudesse evitar, eu evitaria. Era menos uma preocupação pra mim.
A segunda parada foi na padaria, queria fazer um café da manhã farto pra Brenda, queria que ela tivesse tantas opções pra comer a ponto de ficar perdida e não saber por onde começar. Então comprei polpa de suco de caju, aquelas que vem na garrafa pronta pra diluir, doze pães suíços, quinhentos gramas tanto de queijo quanto de presunto, um bolo de laranja caseiro, uma garrafa de iogurte sabor morango com mamão, seis caixinhas de achocolatado pronto e três sonhos de doce de leite. Equilibrar tudo aquilo na moto foi complicado, mas com jeito eu consegui chegar à sua casa com tudo intacto, inteiro.
Como o esperado, ela ainda dormia profundamente, completamente imóvel e sem emitir nenhum som, aquilo me preocupou. Precisei pôr o dedo embaixo de seu nariz pra sentir sua respiração, só então me tranquilizei, sorrindo ao vê-la tão relaxada e sem medo.
Queria que ela dormisse mais, mas eu queria que ela comesse logo e também queria conversar. Só a deixei dormir por mais uns minutos, o tempo que eu levei pra preparar tudo. Após tudo estar em ordem, abri a sua janela por completo e fui em sua direção, puxando o seu lençol levemente, apenas pra estimular o seu despertar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Entre A Paz E O Caos
RomanceUma jovem de dezoito anos, negra, periférica, nascida e criada na favela da Rocinha, localizada na Zona Sul do município do Rio de Janeiro. Com um pai ausente, foi criada sozinha pela sua mãe. Seu maior sonho é ingressar em uma faculdade e sair de o...