Capítulo Vinte e Um

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Felipe Ribeiro

Já estava tudo pronto pro sequestro acontecer. No início ninguém ficou de acordo, disseram que era muito arriscado e de fato era, mas era necessário. A gente precisava do CL, ele era fundamental pro andamento do tráfico no morro. O moleque era crânio em matemática, tinha o ensino médio completo e cuidava da contabilidade do movimento. A gente não podia deixar ele morrer por causa de uma bala alojada.
Um colega se encarregou de seguir o ônibus que a Nilce havia usado pra chegar até o hospital. A função dele era só descobrir o endereço do mesmo, depois ele estava dispensado.

— E aí? — atendi ao telefonema do Jacaré.

— Ela trabalha no Getúlio Vargas. Acabou de sair uniformizada pra fumar aqui na parte de trás do hospital.

— Já é, sai daí. Depois cê acerta com o Nonato seu dinheiro.

— Valeu, chef...

Desliguei antes dele acabar de falar e fui em direção a um Siena preto, usávamos ele apenas pra sair da favela. A placa era clonada, não tinha risco de acharem a gente rapidamente.
Iriam quatro colegas comigo, Nonato, Mauzão, Baratão e o Gordo. Não pedi pra ninguém ir na contenção, não precisaria. Tentaria levantar o mínimo de suspeitas possível.

— Aí, chefe! — o Gordo me entregou uma ponto trinta.

— Aí sim! — disse rindo e mirando a esmo — Bora logo! Tá geral com a touca? — disse olhando pra todos.

Todos concordaram, só usaríamos a touca caso fosse preciso, fora isso, iríamos de cara limpa mesmo.
Os demais entraram no carro e eu fiquei do lado de fora analisando o fuzil, estava devidamente carregado, travado e dentro do carro haviam mais munições, caso precisássemos. Conferi se eu estava esquecendo algo e não, estava tudo comigo. Minhas pistolas, minha corrente de Nossa Senhora. Estava protegido. Iríamos buscar o cirurgião pra tirar a bala da perna do CL.
Mesmo prestando atenção no que eu fazia, meu ouvido estava vívido. Minha audição era de um tuberculoso e tudo o que acontecia a minha volta, eu conseguia escutar, até quando eu estava dormindo. Olhei na direção dos passos que se aproximavam do nosso carro e vi a Amanda descendo o morro, estava uniformizada. A mesma abaixou a cabeça e ao invés de eu falar com ela, como sempre fazia, a ignorei, pela primeira vez. Percebi que, se ela quisesse falar comigo, ela falaria. Não seria eu que iria rastejar atrás dela pra ganhar um pouco de atenção. Me fiz de forte e continuei olhando meu fuzil, até escutar ela passando por mim, pra só aí poder a olhar sem que a mesma percebesse. O cheiro dela fez um rastro no ar. Cheiro de perfume floral.
Eu perdia minha postura quando via ela com aquela roupa, ficava a mulher mais linda do morro. Tão inteligente e dedicada, não tinha nada a ver comigo, que mal tinha o ensino médio completo, não tive esse privilégio. Estava de saco cheio daquele sentimento ridículo, não queria sentir o que eu sentia, mas infelizmente eu não tinha o que fazer em relação a isso, a não ser esperar pra ver se, com o tempo, eu deixava de amá-la.

— Tá caindo baba, Lpê! — Gordo zombou.

— Vai lavar o chão daqui a pouco. — Mauzão acrescentou, rindo.

— Vocês são muito engraçados. — disse sério, entrando no carro — Vamo acabar logo com isso, vai, Nonato.

Ele ligou o carro e partimos pro hospital. O plano era simples. Entrar no hospital, chamar a Nilce, ameaçar ela e pedir pra que ela me levasse em algum médico cirurgião, ameaçar o médico e o obrigar a me seguir, levá-lo até o morro, fazer ele operar o CL e por fim, liberar ele. Sem precisar machucar ninguém.
Chegamos ao hospital mais cedo do que eu imaginei que chegaríamos e eu preferi esperar a Nilce sair do mesmo, seria mais fácil do que chamar por ela. Poderiam não a chamar, poderiam me perguntar seu nome inteiro pra só assim chamá-la, eu já seria suspeito por não saber o que responder.
Ficamos de campana por duas horas e meia, aproximadamente, até aquela vagabunda sair do hospital pra fumar.

Entre A Paz E O CaosOnde histórias criam vida. Descubra agora