Diário da Miki

Dia 98 - 19

Tive coisas pra escrever nesses últimos dias, mas a preguiça não permitiu.

Primeiro, temos a vontade enorme de ver Joker outra vez pra ver se limpa minha cabeça um pouco.

Segundo, fazem dois dias que não penso em suicídio, só hoje que senti uma leve sensação de que uma crise estava por vir, mas até agora, tudo sob controle.

Terceiro, hoje faz um mês que não o vejo. Lembrar disso fez doer.

Quarto, minha amizade com a amiga dele, que tem cabelo azul, está dando florzinhas super bonitas, acho que é sobre isso que mais quero falar hoje.

Essa semana fui ver ela na loja em que ela trabalha no shopping. Ela sempre fica sozinha lá, às vezes um amigo dela aparece também, ele é supimpa. Eu estava chorando muito na aula, aí resolvi ver ela, porque isso me ajuda demais.

Assim que eu cheguei, ela não estava lá, devia ter ido no banheiro ou fazer algo semelhante. A moça da loja de jóias que fica ao lado estava dando uma olhada na loja, pra ninguém ficar entrando e roubar, mas ela tinha cliente pra atender e pediu pra eu ficar ali olhando. Foi minha primeira experiência do tipo, bem incrível. Minha amiga não demorou pra chegar e aí ficamos conversando até umas 13h30, que é a hora que eu devia ir pro estágio.

Só faltava eu apertar o botão de "solicitar uber" pra ir embora, mas uma pessoa chegou na loja e começou a conversar com a gente. Era uma pessoa bem estranha, meio sinistra, mas até então ok. Disse que era evangélico, que estava procurando um presente pra prima lésbica e roqueira dele, "mas nada contra, não estou aqui para julgar" e foi aí que a saga começou.

Pra resumir, ele ficou elogiando a gente, perguntando se éramos da igreja e ambas mentimos afirmando que sim. Ele ficou falando da vida inteira dele sem que nós perguntássemos nada, e se a gente namorava. Ela disse que sim, o que é verdade, mas eu disse que estava solteira, porque esse término é tão real que eu não consigo mentir a respeito disso. E aí ele praticamente esqueceu minha amiga e focou em mim. Disse que eu era bonita, tinha um brilho especial, tinha jeito de moça evangélica e por aí foi, até chegar no ponto em que ele perguntou se eu queria ser amiga dele e poderia passar meu número. O cara tinha 36 anos, idade pra ser meu pai! E eu sem saber o que fazer, disse que não dou meu número pra quem não conheço. Ele disse que ia criar um clima chato, já que ele tinha contado a vida inteira dele pra mim. Mas insisti em não dar o meu número, até que ele foi embora. Quando vi a hora, eram 14h20, eu estava atrasada pro estágio. Fui embora correndo.

Alguns minutos depois que eu cheguei, mandei mensagem pra minha amiga e ela disse que o cara voltou na loja perguntando por mim, se eu estava em horário de almoço. Ele pensou que eu trabalhava lá. Minha amiga disse que eu não era funcionária e aí ele fez umas perguntas bem indecentes pra ela e revelou um comportamento bem esquisito da parte dele que é contra o que a igreja evangélica prega. Hipócrita do caralho.

Eu não podia deixar ela sozinha com esse cara, mesmo que me custasse atraso no estágio, nem podia deixar ele falando sozinho lá uma vez que pensava que eu trabalhava lá, ele podia acabar falando mal da loja, dizendo que foi mal atendido ou coisa do gênero. Mas ela disse que é muito normal isso acontecer, pessoas estranhar aparecerem, mas fico preocupada com ela. 

Ela tem sido uma pessoa ótima pra mim e recentemente ela disse que também faço bem pra ela quando vou visitar ela, pois ela sempre está sozinha na loja. Mesmo que a gente fale sobre nossas desgraças e sobre coisas do passado, fico feliz em não me sentir tão sozinha assim, temos muitas experiências em comum, infelizmente negativas, mas pelo menos não sinto que essas merdas só acontecem comigo. Ela também foi traída, namorou gente que era possessiva e mexeu com o psicológico dela, teve sua imagem distorcida pelos outros. Hoje me lembrei que "conheci" ela antes de ter conhecido meu ex-namorado. Fui deixar currículo na loja no começo do ano passado. Ela é amiga do meu ex, acho que não deixei isso claro. Foi uma das pessoas maravilhosas que ele me trouxe e que me dão a sensação de que ele foi real, de que ele existiu.

E também, ela vai fazer minha primeira tatuagem. Esse mês, se tudo correr bem, vai fazer 2 anos que não me corto. É algo que quero comemorar e ter ela participando disso é maravilhoso. Ela disse que não cobra nada, mas que já insisti tanto em pagar, eu preciso pelo menos comprar as agulhas que ela vai precisar. Vou levar bolo pra gente e velas também. Tô ansiosa. Vou fazer o símbolo químico da serotonina, uma substância bem escassa em mim, pelo visto.

Ainda penso que ele é fruto da minha cabeça, que as fotos são montagens, que tudo é um sonho. Ou que minhas memórias foram criadas e implantadas no meu cérebro, uma possibilidade bem cyberpunk.

As decorações de Natal e placas de Feliz Ano Novo estão começando a me assombrar. O ano está acabando, 2019 está acabando, o Ka do 19 está acabando. Nunca achei que isso me afetaria, mas isso acabou com o meu ano. 19. Outra vez isso! Preciso fazer 20 anos logo, preciso que 2020 chegue, que essa sina venenosa acabe.

Ele está cada vez mais distante, mas isso não é tão ruim. Estou melhorando, sabendo lidar com a ausência dele cada dia melhor, mas ainda é difícil. Tive que forçar ele a me bloquear em uma rede social, pra evitar que eu tente falar com ele outra vez e, bem, infelizmente deu certo. Hoje senti falta dele durante a noite, ele parou de visitar meus sonhos. Só veio hoje. A gente ia viajar, não sei pra onde e ele estava interessado em outra garota. Foi meio doloroso, mas pelo menos não acordei com vontade de morrer.

Tentar ficar com outras pessoas está fora de cogitação. Isso me faz sentir dor, aperto no peito, falta de ar, como se ele puxasse uma corda que me liga a ele e dissesse "não faz isso, não me esqueça, não me apague". Por quê? Por que me pedir isso se você não vai voltar? Sua voz na minha cabeça me tortura e nenhum de nós dois pode parar isso. Só o tempo vai arrumar tudo isso agora...

Música do dia: Marilyn Manson - Angel With the Scabbed Wings