A conversa na cozinha

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Hermione assustou-se ao ouvir a voz arrastada vindo da escuridão atrás de si. Virou-se rápido para ver quem era o dono daquela voz aveludada. Quem era o homem que conseguira se esconder nos confins das sombras, se camuflando na escuridão. Claro que esses anos olhando todos os detalhes e ouvindo atentamente aquela voz a prepararam para já saber quem encontraria ao virar, mas não estava preparada para saber que ele estava tão perto assim.

Snape estava sentado relaxadamente em uma cadeira atrás de Hermione, ainda trazia o copo de vinho intacto em mãos. Estava com as pernas cruzadas e olhava para a parede em frente à sua mesa, olhava para o nada como se fosse a coisa mais interessante que existia.

- Desculpe professor – Disse levantando – Não sabia que o senhor estava aqui.

- Não precisa se afastar tanto senhorita – Disse Snape sem olhar para trás – Creio que um metro de distância basta para que não sinta ânsia.

- Não estou com ânsia – Disse Hermione franzindo a testa - Muito menos pelo senhor.

Apesar de Snape não acreditar em suas palavras, Hermione fora o mais sincera possível. Não tinha ânsia do professor, pelo contrário, o admirava, ainda mais agora que todos descobriram sua verdadeira lealdade. Hermione sempre o achava um dos professores mais inteligentes da escola, jamais se esqueceu da prova que teve que passar quando estava no primeiro ano, a charada com as poções que ela sabia que era a mais difícil de todas as que protegiam a pedra filosofal. Sempre o observava muito, e por isso já sabia de cor as manias que ele tinha quando ficava esperando os alunos terminarem o dever que dava em aula. Ela descobriu, por exemplo, que ele sempre procurava manter as mãos ocupadas, seja escrevendo, seja apenas mexendo com elas. Ele tinha uma postura extremamente reta que o deixava mais alto do que parecia e às vezes ele gostava de ficar olhando para a janela ao lado de sua mesa, uma que dava diretamente para as águas do lago negro devido ser tão no subsolo da escola. Mas o que mais chamava a atenção de Hermione era o fato de ele se perder em pensamentos sem nem ao menos piscar como se estivesse fora de seu corpo, mas plenamente consciente de tudo que ocorria ao seu redor. Isso sem contar o quão poderoso ele era e, era difícil admitir, o quanto ela descobriu que ele era bonito. Não uma beleza óbvia, mas algo exótico, que só se encontra se realmente olhar com atenção, deixando de lado qualquer julgamento procedente devido seu jeito de ser.

Ela não saberia dizer quando isso virou mania ou mesmo obsessão, mas já não conseguia mais entrar no salão principal sem primeiro olhá-lo e vê-lo mexendo na comida que não comeria como sempre. Severus Snape era uma criatura misteriosa ao qual ela se dispôs a entender. Chamam-na de louca, mas isso é normal, afinal não é a toa que a chamam de sabe tudo, ninguém gosta de fazer deveres nas férias, a não ser ela e durante muito tempo seu dever de casa foi descobrir mais daquele homem que sempre a intrigou.

Hermione ainda permanecia em pé ao lado de sua cadeira olhando para as costas do professor. Olhava-o tentando acreditar que ele estava tão perto, tão próximo que era possível sentir o cheiro de ervas que sempre emanava de sua pele e seus cabelos devido o grande tempo que dedicava para suas poções.

- Nunca sentiria isso do senhor – Disse finalmente quando conseguiu deixar de lembrar os vários momentos em que não conseguia pensar em nada além do morcego das masmorras

Hermione voltou a se sentar de costas para o professor, calada e pensativa. Seus pensamentos voltados agora para os olhos dourados de Robert e como se deixara levar por suas carícias. Suspirou alto e largou-se na cadeira encostando o ombro no ombro do professor que permanecia olhando para o copo equilibrado em seu joelho.

- Novamente elogiando-se senhorita?

Hermione não havia reparado que tinha se xingado em voz alta novamente.

- Desculpe professor.

- Senhorita Granger, não precisa me pedir desculpas cada vez que respirar.

- Desc...quer dizer... é que...

- Hermione Granger sem saber o que falar? – Disse Snape em tom de gozação.

- É que eu pensei que estivesse lhe incomodando.

- Sua presença é o que menos me incomoda no momento.

- Pensei que, como acusa em sala, eu era uma insuportável sabe tudo.

- Não estamos na sala de aula.

Realmente não estavam na sala de aula, se estivessem com certeza essa conversa não estaria acontecendo. Hermione pensava se o motivo disso era a derrota do Lord das Trevas que deixara o professor com um dia de folga ou simplesmente por ele ser realmente assim e ninguém saber.

- Quer dizer que pelo menos aqui eu não sou sabe-tudo insuportável?

- Sabe-tudo a senhorita sempre será, está em seu sangue. E eu disse que não estamos em uma sala de aula e não que a senhorita não era insuportável.

Hermione arriscou uma risada leve e baixa descansando mais em sua cadeira e conseqüentemente encostando-se mais no professor que não se moveu o que a deixou surpresa, mas se tratando de Snape tudo era surpresa. Não ousou dizer uma palavra até que o silêncio governou no ambiente escuro onde nem mesmo a leve respiração era ouvida e nem sequer presenciada. Se ela não sentisse o ombro dele no seu imaginaria que estava sozinha naquela cozinha.

Hermione ficou perdida em pensamentos de novo e só se deu conta de que existia um mundo exterior quando um casal se beijando entrou na cozinha festejando e passando direto para o jardim onde a pouco estivera com Robert.

Suspirou

Lembrou

Era tão difícil assim esquecê-lo? Nem queria mais voltar para a festa. Ali estava tão bom, mesmo que estivesse com Snape no mesmo recinto, até mesmo ele estava amigável hoje. Mas a festa tinha Robert e sua irresistível boca.

- Por que a sabe tudo Granger não está lá fora levando o mérito da derrota do Lord ao lado de seus amigos grifinórios e petulantes? – Perguntou Snape quebrando o silêncio.

- Por que o mais leal membro da Ordem da fênix está enfiado em uma cozinha escura falando com uma grifinória insuportável e sabe tudo irritante, quando na verdade deveria estar lá fora recebendo o mérito que merece mais que todos?

Snape não respondeu. A taça foi à boca, o líquido do longo gole desceu pela garganta.

As ônix fecharam-se e o suspiro saiu de sua alma.

Hermione sentiu o corpo do professor relaxar mais na cadeira e encostar-se por completo nas costas de Hermione chegando a encostar sua cabeça na dela e a menina ouviu o suspiro cansado sair de sua boca, tão verdadeiro, tão triste e carregado.

- Não, eu não mereço.

Não era pra ela escutar, não era nem para falar, mas estava ali, o sentimento da culpa.

O que ele fez? Derrotou o Lord das Trevas? Não. Ajudou a matá-lo? Não. Foi à luta? Não.

Sua própria resposta era não, pois ele sabia que a única coisa que fizera era seguir as ordens de seus dois mestres. Em qualquer uma delas ele era obrigado a fazer o que não queria, o que jamais desejara fazer.

Assim como Hermione tem suas vozes lhe invadindo a mente, Snape também tinha, a única diferença era que a dele não era de uma só pessoa, mas sim de um monte e em circunstância bem diferentes.

A Decisão de Hermione (Snamione)Onde histórias criam vida. Descubra agora