Capítulo 30

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Carlos
A verdade não poderia mais ficar oculta. Por anos, este segredo foi meu calcanhar de Aquiles, obrigando-me a ceder à chantagem de Marcia. Ela ameaçava levar a criança, caso eu não cooperasse com os seus caprichos. Uma criança que eu jurava ser minha.
Os negócios da família tinham se expandido ao adquirirmos ações num jornal em decadência na Califórnia. Depois de me formar, tentei conciliar o tempo entre o jornal e três crianças em casa, priorizando sacramente jantares e domingos em casa. Redigia, editorava, entrevistava.
Barbara, minha paixão platônica e proibida, voltou para Olympic deixando o rastro de Phil, que alegando tentar a reconciliação com ela, frequentava regularmente o apartamento que ela morava com Marcia. Hoje compreendo o motivo da ausência de Barbara. A gestação do Poncho.
Durante o tempo separado de Marcia, num momento de fraqueza, fomos para cama. O suposto resultado foi a gravidez de Anny. Marcia ameaçou tirar a criança, caso eu não quisesse. O primeiro impacto foi choque, depois aceitação e amor. Eu não a permitiria tirar uma criança.
Anny nasceu diferente. Seus irmãos tinham olhos leoninos, âmbar e cabelos louros. Anny tinha cabelos escuros e olhos verdes. Não desconfiei, na ocasião. Amava minha pequena caçula. Dois anos se passaram. Mesmo Marcia morando no mesmo estado que nós, ela pouco visitava as crianças. Certo dia, recebeu uma proposta para uma companhia de dança de atuação internacional. Foi aí que veio a revelação.
‒Carlos, eu vou levar Anny comigo. ‒ comunicou tranquila. Fechei as mãos em punho. Eu não deixaria minha filha morar com uma mãe irresponsável que mal tinha tempo de alimentar a si, muito menos a uma criança de dois anos de idade.
‒Anny não vai. ‒ retruquei relaxado. A Justiça ficaria ao meu lado, depois de criar só por dois anos.
‒Ela vai sim. ‒ garantiu. ‒Eu sou a mãe dela!
‒E eu sou o pai! ‒ rebati inalterável.
Ela riu secamente. ‒Eu tenho direitos sobre ela!
‒Então vamos resolver isso na justiça. ‒ minimizei a importância com um dar de
ombros.
‒Tente. ‒ sorriu zombeteira.

‒Eu entro e tenho certeza de ganhar ‒ disse incisivo, o tom mais alto. ‒Qual o juiz em sã consciência que irá dar a guarda para uma mãe que não tem nem residência fixa? ‒ destaquei.
‒Qual o juiz em sã consciência que deixará de dar a guarda à mãe e ao pai, para dar a alguém que não tem ligação sanguínea nenhuma com a criança? ‒ salientou mordaz. Eu enrijeci em choque. Encostei-me a um móvel, tonto, e desfiei minuciosamente suas palavras. A suspeita cresceu. Os olhos, a presença de Phil.
Travei o maxilar cheio de ódio. Ódio pela intromissão de Phil e Marcia no passado. Ódio pelas perseguições antigas que resultaram na minha separação de Barbara. Agora mais ódio por sua intenção de me separar de Anny, a filha que eu amava como aos outros
‒O que você quer para deixá-la comigo? ‒propus transtornado. ‒ Eu sei que você tem um preço. Se você não precisa, ele precisa. Fala quanto você quer?
Ela gargalhou inescrupulosa. E assim, foram anos aguentando extorsões. O intuito era esperar que quando Anny chegasse à maioridade eu lhe revelasse sua paternidade. Esperava que ela escolhesse a mim.
Sentamos num sofá na recepção do hospital na Alemanha e recorri à honestidade. Narrei parte da história da minha recaída e deixei que Anny pensasse.
‒... Sua mãe tinha um relacionamento com esse rapaz que está no hospital desde que éramos adolescentes... Inclusive, quando eu me separei dela, ela voltou a vê-lo... ‒ expus e esperei que ela associasse as informações. ‒Quando ela ficou grávida de você, eles estavam juntos. ‒adicionei cauteloso.
Um lampejo de compreensão se passou pelo seu rosto. Ela abriu a boca.
‒A-Aquele homem namora a minha mãe desde que eu... nasci? ‒ balbuciou incerta.
‒Na verdade, desde antes. ‒ esclareci neutro.
Ela suspirou e olhou para o chão. Lágrimas desceram do seu rosto.
‒E-Então ele pode ser o m-meu p-pai? ‒ choramingou incrédula. Eu a abracei
forte, inseguro.

‒Ele não pode ser seu pai, pois ele não viu seus primeiros passos, não foi a ele que você chamou de pai pela primeira vez, ele não viu você crescer, não te abraçou e te fez dormir quando você chorava... ‒ enumerei e ergui seu queixo. ‒... Não foi ele quem te amou a vida toda como um presente de Deus.
Ela suspirou. O entendimento e maturidade nadavam em seus olhos. Eu senti como se tirassem um peso de minhas costas.
‒O senhor sempre soube disso?
‒Mais ou menos... ‒ Decidi ser o mais sincero possível. ‒Desde que você tinha dois anos de idade.
Ela suspirou e olhou para cima. ‒Então minha mãe mentiu para o senhor.
‒Eu te amei desde que soube de sua existência. ‒assegurei, para abrandá-la. Ela permaneceu uns segundos em silêncio. Eu lhe dei tempo e encostei minha nuca no encosto do sofá, exausto. Marcia se foi, e o maior lamento que eu tinha era por ela sempre ter sido uma mãe egoísta e ausente.
‒Pai... ‒ Anny chamou-me, olhando-me com ternura. Meu coração encheu-se de alegria. ‒...Você é o único pai que eu tenho... Nada mudou pra mim, exceto por uma coisa... ‒ Ela sorriu largamente e me abraçou. ‒O Poncho não é meu irmão sanguíneo! ‒ declarou alegre. Respirei aliviado por ter sido aceito. ‒Se eu tivesse que escolher um pai dez vezes, dez vezes eu escolheria você.
Devolvi o abraço, aliviado e contente por sua resolução rápida de pensamento. Ficamos abraçados um tempo, depois ela me afastou e olhou-me como se tivesse acabado de ter um insight.
‒Ele é pai do Wiliam, não é? ‒ Ela afirmou, surpresa. ‒Muito estranho essa interligação de famílias.
Eu ri com o comentário. ‒É simples. Sua mãe cismou comigo quando éramos jovens só por questões financeiras. Depois de terem armado para me separar de Barbara, eles perceberam anos mais tarde que queriam ficar juntos. Saíram do país para esconder a ligação. ‒ expliquei.
‒É... E estão terminando os dias juntos ‒ comentou reflexiva, depois sorriu mais animada. ‒Pai, me empresta o seu telefone para eu ligar para o Poncho?

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