capitulo 6

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- Você já teve câncer não é?

Disse o doutor

- Sim, mas as células foram eliminadas, era um câncer fácil de ser curado.

- Pois é, mas agora encontramos alguns nódulos no seu pulmão, ainda anão sabemos o que é, mas existe a possibilidade de serem tumores, e se esses tumores forem malignos...

- Eu terei câncer de novo.

- Sim, mas dessa vez não será tão simples de ser tratado, pois o pulmão é um órgão delicado. Eu sinto muito.

Não consigo explicar o que senti naquele momento, foi um misto de dor com agonia, desespero.

Não, passar por tudo aquilo de novo não, por favor, eu não posso, de novo não!

                                                 ...

De volta aos 4 anos:

Quando se descobre uma doença como o câncer, seus pés perdem o chão, mesmo que os médicos tenham dito que não era muito grave, facilmente curado e bla bla bla, o próprio nome já me dava medo, eu era pequena de mais para entender, mas via a mamãe chorando e o papai sempre preocupado, e percebi que estava indo ao medico todos os dias, tomando injeções que doíam muito, eu não queria mais aquilo, meu pai me segurava forte para que eu não me mexesse durante as agulhadas, e eu implorava a ele que me levasse embora, mas ele não falava nada, apenas deixava uma lagrima escorrer.

Eu também não entendia, mas essa doença fez minha família toda sofrer comigo, no dia da minha operação para a retirada da tireoide, estavam todos os meus parentes lá, pessoas que eu não costumava ver, até meus avós que moravam muito longe estavam la, e então eu sabia que tinha algo de errado, sabia antes mesmo de entrar no centro cirturgico que algo ruim estava prestes a acontecer, mas não sabia que doeria tanto.

 A primeira injeção ( anestesia) doeu tanto que pareciam que meus ossos estavam sendo quebrados, dessa vez não havia papai nem mamãe para me segurar, alias eles não estavam em lugar nenhum, mas eu não conseguia mexer meu corpo, eu queria correr, queria fugir, mas não conseguia, de repente a dor passou e a imagem dos médicos foi perdendo o foco, e então eu apaguei.

Quando acordei estava toda ligada com vários aparelhos barulhentos , meu pescoço estava com um curativo enorme, e haviam algumas enfermeiras comigo “ Ela acordou” foi o que disseram. Eu comecei a chamar pela minha mãe, estava com medo e assustada, mas ela ainda não podia ir me ver, só depois...

Recebi, mais tarde, vários cartões com desenhos, balões coloridos e flores enfeitaram meu quarto, meus vizinhos me mandaram desenhos e chocolates, demonstrando carinho, eu me senti muito famosa naqueles dias.

Quando vi aqueles parentes sorrindo pra mim, pensei que aquela tortura tinha chegado ao fim, mas eu estava enganada...

Logo depois que recebi alta, minha mãe falou pra mim que eu teria que ser forte para continuar com o tratamento, que teria que continuar com a quimioterapia e a radioterapia, ate ter certeza que o cancer tinha ido embora, claro que ela disse isso de uma forma que não me pareceu tão ruim.

Mas era ruim sim, era horrível, meu cabelo já havia caido quase todo, e eu me sentia enjoada toda vez que era obrigada a ir ao medico.

Foram 5 terriveis anos aturando tudo aquilo, mas o pior era ter que ir a escola com um chapéu por causa da minha cabeça pelada, e ver que todas as outras crianças podiam brincar, correr pelo sol, tinham cabelos bonitos, enquanto eu ficava quieta porque ninguém queria brincar comigo, as outras crianças zombavam de mim e sentiram repulsa.

Eu vivi tudo isso, eu vi meu pai indo embora sem saber o motivo, vi minha mãe se afundando em lagrimas, vi meus pesadelos se tornando reais.

Ate que um dia tudo acabou, o medico me disse que eu estava curada, e que logo meu cabelo iria crescer, mas eu precisaria tomar remédios especiais todos os dias, só que esses não iriam doer...Foi um alivio tão grande, saber que aquilo tudo nunca mais iria acontecer, que eu poderia ser uma criança normal, eu fiquei tão feliz, mas tão feliz.

                                                                          ...

Eu comecei a mergulhar em lagrimas, Bruno me abraçou, mas nem ele conseguia me distrair daquela dor enorme.

Era só um a possibilidade, mas eu decidi que não queria fazer os exames, eu não queria saber se é ou se não é, seja o que for, ficará aqui.

Talvez eu morra do nada, sem nunca saber o que me matou, seria melhor assim, eu não teria dias contados, não precisaria conviver com a morte me assombrando...

E foi o que eu fiz, sai daquele hospital direto pra minha casa, me recusei a passar por qualquer exame.

- Você esta louca menina? Você não pode fazer isso, tem que fazer os exames, tem que se tratar!

- Não Bruno, você não pode decidir por mim!

- Eu não posso te ver morrer e te deixar assim, você precisa de ajuda, de um psicólogo ou sei lá o que!.

-Chega disso, ok? Essa é uma escolha minha, e pode deixar que eu saberei lidar com ela, afinal não foi você que teve câncer quando criança, você não tem ideia do quanto isso é doloroso, eu não queiro isso de novo!

- Eu... Eu só não posso te perder, você não. Já perdi meu irmão, meu amigo, o amor da minha mãe, ate meu pai prefere você... E eu, eu não tenho mais ninguém, você não pode morrer Carol.

Confesso que aquilo mexeu comigo... Ual, ele precisa de mim.

- É egoísmo de a sua parte querer que eu passe por tudo aquilo de novo, só porque não tem mais ninguém e precisa que eu fique viva.

- Eu sei, eu sei que sou egoísta, eu sei que não tenho direito nenhum de te pedir nada, mas mesmo assim, eu vou pedir... Fique viva Carol, não morra, por favor.

Estávamos no meu quarto, eu preferi não falar nada pra minha mãe, ela também  iria tentar me forçar aos exames, entrei com Bruno, ela não fez perguntas. O espaço que nos separava eram apenas alguns centímetros da minha cama, então, como um ato de desespero, ele me abraçou com força e depois me beijou.

Ele finalmente me beijou, depois de 16 anos, e foi o melhor beijo da minha vida, foi como se meu corpo todo entrasse em combustão, o efeito dele em mim era algo parecido como voar, aqueles lábios habilidosos me fizeram refém, e eu não pude escapar, tentei acompanhar os movimentos de sua língua, mas ele estava rápido, e eu podia sentir as lagrimas molharem minha bochecha, mas já não sabia quem estava chorando.

Quando ele me soltou porque minha mãe bateu na porta, estávamos ofegantes, mas conseguimos disfarçar... Eu acho.

Ele contou tudo para ela, que começou a gritar dentro do quarto:

-Você esta louca?!! Quer morrer é isso?!!!

- Mae, para com isso ta legal? Nós duas já vivemos tudo isso antes e você viu o quanto foi ruim, pra que reviver? E eu aposto que você também não tem dinheiro para um novo tratamento, eu não quero te ver endividada.

- E eu não quero te ver morta, será que da pra me entender?

Ate dá, porque deve ser horrível perder um filho, mas ela também esta sendo egoísta, no final das contas, todo mundo é egoísta, todos me querem viva porque precisam de mim de alguma forma, sem se importar com o que eu teria que viver se decidisse passar por tudo novamente.

Mas independente de quantas pessoas venham ate mim, me pedindo para fazer os exames, eu não os farei, já tomei essa decisão, e estou pronta pra arcar com as consequências, sejam elas quais forem...


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