[Sábado, 05 de dezembro de 2020]
Eram umas 08h30 quando Juliano e Camila, meus melhores amigos do meu curso de Letras, vieram me visitar. Dos que se formaram comigo, eles eram os únicos que realmente eu fazia questão de puxar conversas além das necessárias, coisas como "me empresta uma caneta?" ou "o que o professor passou nas duas últimas semanas que faltei?".
Não tive muita sorte em ter uma turma boa quando ingressei na faculdade. Sempre achei que o fato de o meu curso ser de humanas implicava que eu fosse estar rodeado por uma galera bem good vibes, sabe? Algo em torno disso. Jurava que no meu bloco haveria uma pessoa a cada dois metros fumando um baseado ou um veterano ensinando os calouros a fazer miçanga. Fiquei mal por saber que não tinha nada disso. O pessoal da minha sala, em resumo, era tão tedioso quanto aquelas lives de cantores sertanejos que minha mãe praticamente me obrigava a assistir.
Juliano foi a primeira pessoa que eu conheci. Se você, Ariel, achava que eu era uma pessoa padrão, fique sabendo que Juliano era ainda mais. O garoto era loiro, tinha o cabelo liso, pele branca, corpo forte (com direito a tanquinho, algo que eu não tinha, pois minha barriga era normal) e olhos intensamente verdes. No começo do meu primeiro semestre na faculdade, cheguei a pensar que ele estivesse dando em cima de mim, uma vez que seus olhares na minha direção eram sempre estreitos. Mas não. Ele só tinha problema de visão mesmo, e agora usava óculos.
Camila, por outro lado, quebrava os padrões, embora ela fosse linda demais. Sua pele possuía o tom negro que já vi. Ela brilhava (não como o Edward Cullen, certamente, mas brilhava). Seus olhos eram tão pretos quanto os do meu pai e seu cabelo era mais cacheado que o da minha mãe. Conheci Camila uma semana depois de ter conhecido Juliano. Dos meus amigos, ela era a pessoa que mais dava valor às bebidas alcóolicas. Costumávamos ir com muita frequência àquele bar que fui na segunda-feira com Estelar, entretanto o pessoal de lá proibiu a entrada de Camila logo depois que ela acertou uma garrafada na cabeça de um homem sem querer. Ela estava muito bêbada nesse dia.
— E agora, Demétrius? — Juliano deitou sua cabeça na minha barriga. Nós três estávamos deitados na minha cama. — O que vai fazer?
Camila desamarrou seu cabelo volumoso e encarou o teto.
— Não tenho para onde fugir, amigo — lamentei-me, penteando seu cabelo para o lado, do jeito que ele gostava. — Preciso muito do carro. Não dá para ficar dependendo de Uber o tempo inteiro, entende? A gente nem pode ter privacidade direito. O último cara que me levou para um lugar reclamou de mim só porque eu parei em cinco pontos diferentes para comprar algo antes do meu destino final.
— Só cinco?
— Sim.
Camila riu.
— Eu não pensaria duas vezes em aceitar a proposta de emprego, amor — ela disse, fechando os olhos. — Ainda mais porque a família lá vai te pagar bem.
— É que crianças são insuportáveis. — Suspirei e esfreguei as pálpebras. — Eu não era uma criança tão atentada quanto às de hoje são.
Eu era bem pior.
— Como sabe? — Juliano ergueu uma sobrancelha. — Você não é capaz de se lembrar. Faz muito tempo.
— Eu sei que eu não era um capetinha porque sou um ser humano muito maravilhoso hoje. A única maldade que eu me lembro de ter feito foi ter pintado um monte de bolinhas pequeninhas de isopor, tê-las colocado em vários potes e vender cada um deles por R$ 5,00 para várias outras crianças, dizendo que eram balinhas.
Juliano riu.
— Isso diz muito sobre sua personalidade atual.
Fiz careta.
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COMO [NÃO] SER UM BABÁ
RomanceSó existe uma coisa que Demétrius Esteves detesta mais do que crianças: cuidar de crianças. Para compensar o dano causado por ter arremessado o carro em um poste, ele agora precisa trilhar o que aparentemente seria o seu pior pesadelo: bancar o babá...