17 | A mensagem

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Mais ou menos uma hora depois, já não havia nenhuma mancha de sangue no piso do trailer e nem no corpo de Júnior, que estava deitado na cama, se recuperando. Talvez ele quisesse dormir, pois fechava as pálpebras a cada cinco minutos e permanecia assim por mais um tempo, como se não desejasse mais abri-las. Ele agia como eu nos dias em que minha família recebia visita em casa, e minha mãe ia me ver toda hora no meu quarto para que eu as cumprimentasse. Fingir que estava dormindo nessas horas era uma política fantástica que encontrei de não falar com ninguém quando não estivesse a fim.

Sempre funcionava.

A lateral do meu corpo estava apoiada na borda do trailer onde a porta era encaixada ao ser fechada; minha visão observava as árvores ao redor do caminho, e, por ter passado um período demais admirando a paisagem à minha frente, pensei comigo mesmo em como era extraordinário ficar longe do movimento da cidade.

— Me dê só alguns dias para te pagar — Júnior pediu em voz baixa, distraindo-me momentaneamente do meu devaneio. — Sei que falei a mesma coisa para Albert, mas prometo que com você será diferente.

Emoldurei uma diversão tangível.

— Albert? — repeti, os olhos ainda fixos nas árvores. — Na minha cabeça, ele sempre será o Zé Droguinha.

Escutei Júnior sorrir.

— Obrigado por ter vindo. E por ter me livrado daquela dívida.

Virei meu rosto para ele. Infelizmente, Júnior já estava com sua camisa no corpo.

— Bobagem. — Mentira, R$ 600 fazem muita falta! — É melhor estar devendo a mim do que três pessoas marginais, certo? Não é como se eu fosse te dar um tiro... por mais que meu pai seja policial e tenha uma arma em casa.

Ele estreitou os olhos.

— Está brincando.

— Não. — Desencostei-me do trailer, mas só para voltar a me apoiar do outro lado, de modo que pudesse ver Júnior. — De verdade. Ele é. E isso era uma dádiva para mim na época da escola, pois eu falava para os coleguinhas da minha sala me pagarem o lanche, senão chamaria meu pai para prendê-los.

Ele passou a mão na testa, mostrando os dentes em um sorriso depravado.

— Como é possível que você seja aquela mesma pessoa que era na infância? — perguntou retoricamente. — Você não é nem um pouco perigoso. É maluquinho às vezes, mas não tem maldade.

Comecei a trabalhar nessa tese mais do que já refleti sobre as perguntas "quem somos nós?" e "qual é o nosso lugar no mundo?" nas provas de Filosofia da universidade. Minha única resposta para esses tipos de questão costumava ser "eu sou bonito e meu lugar é uma mansão". Nunca compreendi por qual razão os docentes me davam zero, já que se tratava de uma pergunta pessoal.

— Ah, sei lá... vai ver o meu lado mau tenha se convergido em humor na fase adulta. — E também porque, por já ter vinte e dois anos, eu estaria atrás das grades se continuasse fazendo coisas erradas. — Essa é uma coisa boa das pessoas: poder mudar.

Os olhos de Júnior demonstraram certa empatia.

— Parabéns — congratulou, admirado. Depois, sua admiração mudou, sendo substituída por um cuidado nas íris. — Demétrius, sinto muito por ter estragado o seu Natal.

Meu nome tinha um poder especial em sua boca. Todas as vezes que ele era dito por Júnior, eu me sentia como se a moça da cantina da me falasse "você ficou com a última coxinha".

— Não estragou — sorri, feliz demais para meu gosto. — Acredite se quiser, nunca passei um Natal com um garoto que eu beijei. Além do mais, um dia cheguei a passar este feriado distribuindo doces para as casas da região perto da escola. Foi há muito tempo. Era um projeto beneficente que visava ajudar as crianças que não tinham condições financeiras para comprar essas coisas tradicionais do Natal. Fui impedido de continuar no projeto porque peguei todos os doces para mim. — Fiz uma expressão de decepção. — Não gostei nem um pouco desse dia.

COMO [NÃO] SER UM BABÁOnde histórias criam vida. Descubra agora