Por que a polícia tinha a mania de prender as pessoas bêbadas que batem o carro em um poste sem querer? Jamais eu iria compreender isso.
Estava eu, aqui, em uma cela escura, fria e solitária, esperando meu pai vir me buscar. Como se não bastasse eu ter levado um pé na bunda, a polícia teve que rondar justamente a região onde sofri o acidente. Algum filho da mãe homofóbico deve ter me denunciado. No fundo, me perguntei se os homens fardados me prenderam porque bati meu Celta em um poste ou porque, para explicar o que houve, eu realmente inventei a história de que meu carro tinha mesmo ganhado vida própria.
Na minha cabeça, a mentira pareceu bem convincente.
Okay... Era claro que o fato do bafômetro ter marcado um pouco mais de 2,5 g/l de concentração de etanol no meu sangue também deve ter contribuído para a minha prisão, ainda que eu suspeitasse que a polícia armou para mim. Quem garantiria que o bafômetro estava calibrado?
— Demétrius — o segurança fortão apareceu na minha cela de surpresa, abrindo-a. — Está liberado.
Arregalei os olhos.
— Sério? — Levantei-me da minha cama nada asséptica. — Confirmaram que meu carro estava possuído?
— Não. Seu pai te liberou.
Estava aí outra informação que eu não te contei, Ariel: meu pai era da polícia. Era certo que isso não me isentava das chances de eu ficar preso em uma cadeia por anos se eu cometesse um crime grave (como, não sei, arremessar um tijolo "sem querer" na cabeça de algum preconceituoso). Ainda assim, para crimes bem leves, como destruir um carro num poste, por exemplo, e que não tivessem nenhuma morte, eu até que poderia ser liberado. Bastava que Mário falasse com os caras da polícia.
Quando fui acompanhado pelo policial que abriu a minha cela até o corredor de espera, Solange veio de encontro a mim, os braços abertos. Meu pai conversava com alguns homens na bancada da delegacia.
— Meu filho! — O abraço da minha mãe veio. — O que deu na sua cabeça, Jesus?! Não sabe que não pode dirigir bêbado?!
— Eu não sabia que andar a 60 km/h causava tanto estrago.
Ela suspirou, soltando-me, e avaliou meu corpo.
— Você tá bem?! Se machucou?!
Toquei meu peito.
— Só o meu coração tá machucado, mãe. Partido. Dilacerado! Estou me sentindo mais massacrado do que o musical "Cats" pela crítica!
Ela franziu a testa.
— Como assim? O que houve?
— Diego terminou comigo.
Seus olhos azuis foram arregalados.
— O quê?!
— Também não entendi — reclamei. — Eu sou tão sexy!
— Ah, meu Deus... — Ela balançou a cabeça, parecendo estar chocada e sem saber o que dizer. — Em casa a gente conversa. Você está fedendo a álcool. Precisa de um banho.
Assim que minha mãe fechou a boca, meu pai deixou seu grupo de colegas de trabalho e veio na minha direção, o olhar decepcionado. Fazia muito tempo que eu não via essa sua feição — a última vez foi há uns três... talvez quatro dias.
— Que bonito, hein, Demétrius?
— Sério, pai? — Fiquei surpreso. — Pensei que o impacto tivesse destruído meu rosto.
— Estou falando de sua atitude, mocinho. — Ele colocou as mãos na cintura, fitando-me de maneira inconformada. Ele não estava bravo para valer, eu sabia disso. Mário era a pessoa mais paciente que já conheci. — Perdeu o carro porque foi irresponsável!
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COMO [NÃO] SER UM BABÁ
RomanceSó existe uma coisa que Demétrius Esteves detesta mais do que crianças: cuidar de crianças. Para compensar o dano causado por ter arremessado o carro em um poste, ele agora precisa trilhar o que aparentemente seria o seu pior pesadelo: bancar o babá...