24 | A revelação

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Viemos parar em seu trailer, e fiquei feliz por termos escolhido esse ambiente para conversarmos ao invés de um lugar movimentado. Aqui era, definitivamente, muito reconfortante e calmo, fazendo-me sentir a mesma sensação de bem-estar que me dominava quando eu ia visitar os meus colegas e os pais deles diziam "sinta-se em casa". Parte deles parou de falar isso ao notar que levei o pedido ao pé da letra a ponto de comer metade das coisas da geladeira ou dormir no sofá por várias horas.

Depois que chegamos ao trailer, Júnior mandou alguma mensagem para alguém e largou o celular na mesa antes de se sentar em uma das cadeiras. Não falamos quase nada durante nossa vinda até aqui. Optamos por um Uber mesmo, e o silêncio dentro do carro foi o protagonista. Levei a sério a frase "às vezes é bom ficar calado" que minha mãe me dizia em todos os momentos que eu perguntava à irmã da igreja se as línguas que ela chamava na hora do culto eram de fato verdadeiras ou isso era apenas fingimento para que todo mundo ao redor notasse que ela sabia chamar os anjos.

Júnior crispou o belo cenho e, após fitar a mesa com o mesmo fulgor que eu usava ao tentar fazer qualquer criança idiota pegar fogo (só porque ela não me convidou para o seu aniversário, afirmando que eu roubaria todos os presentes da festa), ele olhou para mim. Seus olhos estavam escuros, meio decepcionados agora.

— Sinto muito por ter estragado o seu jantar — ele murmurou.

Balancei o rosto de leve, invocando um sorriso nobre.

— Não se preocupe.

Não era a primeira vez que um jantar no qual eu participava ia por água abaixo. Sinceramente, todos eles que embarcaram em um desastre em determinada parte da noite foi porque eu estava por perto.

— Pedi comida japonesa para a gente — ele disse, sentindo-se culpado. — Não sei se você gosta, mas...

— Gosto. — Era mentira, pois, por nunca conseguir pegar as coisas no prato com aqueles dois palitos malditos, não cheguei a experimentar algo relacionado à culinária do Japão. Menti porque, diante da situação, senti que não poderia exigir nada. — Me contento com o que você quiser comer.

Sua feição continuou exatamente como estava. Ele estava magoado demais; seu esforço para não deixar transparecer isso era inexistente. Ele agia da mesma maneira que eu fazia quando queria que meu namorado soubesse que eu estava com raiva simplesmente por ele não ter capturado a minha indireta "sonhei que tinha ganhado mil reais".

— Descobri que minha mãe biológica está viva — Júnior revelou. — E meus pais haviam me garantido que ela estava morta.

Minhas piadas mentais e minha fala fugiram de mim depois da revelação, e tudo o que pude ser capaz de fazer era ficar neutro, imóvel. Fui pego de surpresa, razão que me levou a não falar nada por uns segundos. Quando as palavras escaparam da minha boca, eu parecia mais um robô murmurando, ligado no automático, do que um ser humano bonito e sublime.

— Eles mentiram por causa... daquele lance com drogas?

Júnior sugou os lábios.

— Não sabia que tinha escutado essa parte. — Ele engoliu em seco. — Mas é por isso. O problema é que minha mãe não está mais assim. Ela já está se tratando. Não é mais uma viciada. Está melhor, sabe?

A surpresa gigante ainda me impedia de dialogar com a precisão que a conversa exigia. À medida que as peças se juntavam em uma espécie de quebra-cabeça na minha mente, mais meu silêncio crescia. Eu sabia que minhas teorias eram desastrosas demais para serem levadas a sério, mas não pude deixar de indagar o seguinte:

— Ela é aquela sua amiga que você ajudou financeiramente?

Júnior fez que sim, e fiquei feliz por finalmente ter acertado alguma dedução.

COMO [NÃO] SER UM BABÁOnde histórias criam vida. Descubra agora