8 | O lado frio

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[Domingo, 13 de dezembro de 2020]

Ele era lindo mesmo. Eu não conseguia parar de fitá-lo agora.

Os olhos brilhavam de um jeito sugestivo e muito, muito luminoso, como se todas as estrelas do céu tivessem se convergido em duas íris claras e notórias demais; as sobrancelhas bem feitas e erguidas em um tipo de malícia evidente ampliavam o conceito do que eu definia como belo; a boca — Jesus! — era rosa demais, com o lábio inferior muito chamativo, capaz de direcionar os olhos de qualquer pessoa para baixo todas as vezes que ele começasse a falar; o maxilar era perfeitamente delineado e...

Tá bom, Demétrius, já chega de se olhar no espelho — murmurei, fechando a porta do guarda-roupa para que meu reflexo sumisse.

— Filho, vem tomar café logo! — minha mãe me chamou. — Não vai se atrasar!

Meus pais sempre falavam isso, certamente porque, por volta do início da minha adolescência, eu tomava banho às 13h20 para as aulas que começavam às 13h30. Tudo bem que eu não era dedicado aos estudos, e muito do meu tempo era desperdiçado em paquerar os garotos da escola ou falar mal dos professores que eram ruins demais por não arredondarem minhas notas 3 e 4 para 7 (se eu tirasse 2, até entenderia que era injusto me dar mais pontos). Meu lado "tô nem aí para a vida" só mudou na faculdade: ao invés de me atrasar vinte minutos nas aulas, eu reduzi o tempo para quinze.

Nossa, como é bom evoluir o nosso lado responsável!

Na cozinha, meu pai, um segundo antes de eu me sentar, já foi logo falando.

— A vizinha me disse que você foi grossa com ela ontem.

Cacete. Como se já não bastasse estar com enxaqueca (eu realmente não conseguia compreender a ideia de que cinco copos de uísque faziam minha cabeça doer no dia seguinte), ainda tive que ouvir reclamações daquela velha.

— O que você disse para ela? — Os olhos azuis da minha mãe caíram sobre meu rosto sonolento. — Parecia algo grave, pois ela ficou bem assustada.

— Mãe, a senhora sabe como ela é exagerada — suspirei, pegando um prato pequeno da mesa. — Prova disso é aquela vez, há uns anos, em que aquela velha da época a.C. falou que joguei um tijolo na porta dela logo depois que ela me comparou a uma gazela.

Eu era muito magro mesmo, e não era por falta de comida. Era genética. Eu parecia emagrecer quando, na realidade, comia além da conta. Só comecei a ganhar corpo mesmo a partir dos dezesseis anos — eu me lembrava da época exata porque foi nesse período que os garotos começaram a aparecer aqui em casa para me ver.

— Mas você jogou um tijolo mesmo — Mário me recordou.

— Não! — Vinquei a testa. — Foi um pedaço de pau, pai. E ele tinha a metade do tamanho de um tijolo. Além do mais, foi por uma boa causa. Aquela velha aprendeu que não se pode mexer comigo.

— Para de chamar os idosos assim — corrigiu minha mãe, o riso mascarado pelo rosto "sério".

— Ora, nova ela não é — defendi-me.

— Demétrius...

Revirei os olhos, querendo rir também, e servi meu café com leite.

— Acho injusto ela falar para vocês que fui grosso — murmurei, já mastigando o pão. — E eu ainda dei sal para ela! Se eu soubesse que seria apunhalado pelas costas, não teria feito isso.

— O que você disse, afinal? — meu pai perguntou, dobrando o seu jornal.

— Nada demais.

— "Nada demais" foi o que você disse quando te perguntei o porquê de você ser expulso pela terceira vez na escola, e acabei descobrindo que você tentou cortar o cabelo da sua amiga, fazer uma peruca com ele e vendê-lo para ganhar dinheiro. E o pior: você queria usar a grana para contratar pessoas para te ajudarem a fazer a mesma coisa que você fez.

COMO [NÃO] SER UM BABÁOnde histórias criam vida. Descubra agora