[Sábado, 26 de dezembro de 2020]
— Amor, é claro que ele não está traindo você. — Juliano penteava meu cabelo na sala enquanto falava. Eu estava deitado no sofá, a cabeça apoiada no colo do meu amigo. Camila, por ainda estar na casa dos pais após o Natal, não pôde vir. — Acho que é cedo demais para ele começar a pensar nisso, não concorda? Vocês nem começaram a namorar.
Olhei para seus olhos verdes.
— Então está me dizendo que ele pensará em me trair só depois?
Ele sorriu de um jeito terno.
— Não, não foi isso que eu quis dizer. Olha, eu não o conheço, e a única impressão que tenho de Júnior é que ele, segundo as suas descrições, é uma pessoa que aparenta ser muito safada. Eu acreditaria nisso, mas, quando me lembro de que você possui uma porcentagem de exagero considerável, penso que seria melhor não colocar minha mão no fogo.
— Não sou exagerado.
— Demétrius, uma vez você me disse que a nossa professora de fonologia mexia com macumba só porque o colar dela era uma cruz de cabeça para baixo.
— Juliano, mas isso é muito suspeito. Nunca assistiu aos filmes que contêm demônios?
— Amigo, ela era católica. E o pingente ficou preso na corrente do colar, por isso a cruz ficou invertida.
Bem, essa foi a explicação que a professora nos deu logo depois de me escutar perguntar para Juliano onde será que ela guardava as cartas de Tarot. Eu tinha minhas dúvidas.
— Ainda acho que ela tem um terreno atrás da casa com um monte de galinha preta nele — murmurei, virando minha cabeça para o lado, e encarei a mesinha da sala. — Será que eu deveria achar suspeito que meu carro tenha quebrado justo nas férias? Já pensou se essa foi a maneira que essa professora encontrou de me fazer pagar a língua?
— Ah, com certeza. — Juliano riu. — É bem mais plausível culpá-la do que culpar o fato de que você bebeu uma garrafa inteira de uísque.
— Exatamente! — Olhei para ele mais uma vez. — Eu sabia que você iria me entender.
Ele suspirou.
— O que estou querendo dizer é que talvez a mensagem de Júnior não seja nada demais. — Juliano retornou a pentear meu cabelo, e eu voltei a encarar a mesinha. — Mas acho que não adianta muito falar isso para você.
— Não sou tão teimoso assim, amigo, não me condena.
— Estou falando isso porque cada pessoa sente as coisas de uma forma diferente. Para mim, pode ser que Júnior não tenha ousadia para te trair, mas tudo não passa de uma impressão minha, uma pessoa que está analisando a situação de fora. E acho que isso acaba me ajudando a ter uma percepção positiva das coisas, pois quero o melhor para você.
— Entendi — murmurei o que nunca falei nas aulas de cálculo. De um modo sincero, já disse isso para meus docentes na hora em que eles olhavam especificamente na minha direção ao explicar as contas no quadro. Quando momentos como esse aconteciam, tudo o que minha mente conseguia pensar era onde diabos na vida eu iria usar a porcaria desse tal de Bhaskara.
— Mas quem garante que eu, Juliano Vasconcelos, não fosse ficar duvidoso em relação a Júnior se estivesse no seu lugar? — comparou. — É fácil julgar quando somos apenas um espectador; difícil é tomar uma decisão diante da situação.
Franzi a testa de forma demorada.
— Não entendi — confessei. — Você me disse que a mensagem não é nada demais... mas também diz que não tem certeza, pois não está na minha pele.
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COMO [NÃO] SER UM BABÁ
RomanceSó existe uma coisa que Demétrius Esteves detesta mais do que crianças: cuidar de crianças. Para compensar o dano causado por ter arremessado o carro em um poste, ele agora precisa trilhar o que aparentemente seria o seu pior pesadelo: bancar o babá...