21 | A descoberta da sexualidade

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— Torrada, geleia de morango, bolo de limão, pão francês, café, leite... ah, e suco de maracujá. — Júnior apoiou as mãos na mesa e sorriu. — Está servido?

A última vez em que vi uma mesa de café da manhã tão recheada foi no Natal. Antes desse dia, só na TV mesmo.

— Fez tudo isso enquanto eu estava dormindo?

— Não. — Ele me deu um beijo casto. — Comprei a maioria ontem. Como você dormiria comigo, pensei em algo mais completo. Não sabia do que você gostava, então dei uma variada.

Sorri, a mão deslizando na nuca. Em meu corpo estava uma camisa branca de Júnior, grande o bastante para chegar até o meio das minhas coxas, e a minha calça. Tinha deixado o banheiro na casinha há menos de dois minutos. Lá era muito organizado, como Júnior tinha me garantido uma vez, e me senti mal por saber que meu quarto era um caos tão completo que às vezes nem eu sabia onde deveria buscar determinados itens pessoais. Não ficaria surpreso se encontrasse uma arma no meio das minhas vestimentas nada organizadas no guarda-roupa. Ou já pensou se no meio delas estivesse algo bem pior, como... não sei... um urso de pelúcia com um livro de Física nas mãos?

— Admiro que tenha pensado em mim — murmurei, observando Júnior. — Quando meus namorados dormiam em casa, a única coisa que eu pensava era na hora que eles iriam embora.

Ele se sentou na outra cadeira.

— Você deve ter namorado muito, pelo visto.

— Que nada! Menos do que vinte vezes, certeza.

Seus lábios rosados exibiram seu sorriso luminoso.

— Que pouco, não?

Capturando a ironia, sorri ainda mais.

— Comecei a namorar mesmo quando pude dizer ao mundo que eu curtia meninos — comentei. — Eu tinha uns doze anos. Antes disso, porém, já sabia do que gostava, apesar de me sentir zangado quando os outros me perguntavam se eu era gay. Perdi todos os meus amigos nesse período da minha vida porque, sempre que me questionavam sobre esse assunto, eu jogava a primeira coisa que via na cabeça deles.

Júnior enrugou o cenho.

— Mas você era mesmo gay.

— Sim — suspirei —, só que é estranho o fato de que isso soa como algo ruim quando se é criança ou adolescente. Eu tinha essa impressão porque a sociedade pregava que ser LGBTQ+ era algo ruim.

Ele assentiu uma vez.

— Entendo. — O dourado de seus olhos ficou dócil de repente. — Qual foi a primeira pessoa para quem você se declarou gay?

— Minha vó.

Sua boca lutou para não sorrir. Permita-se se alegrar, meu amor. A vida é curta demais para bloquear sorrisos e para perder tempo em dizer que seu ex vai mudar.

— Achei mesmo que fosse dizer isso — ele murmurou. — Ela parece ser a última pessoa na Terra que se importaria com quem você dorme.

— Mas também, com o histórico de pecados dela, eu ficaria espantado se ela exigisse algo de mim. — Talvez fosse isso, afinal, que a tornasse uma pessoa tão espontânea.

— Como foi que você se abriu para ela? — Júnior perguntou, curioso.

Sentindo-me feliz por esse dia, voltei uma década na minha mente.

[10 anos atrás]

A primeira coisa que fiz ao chegar da escola foi procurar pela minha vó, e acabei por encontrá-la na cozinha bege, de costas para mim, preparando um bolo de cenoura — o bolo que ela fazia era tão delicioso quanto à barra de chocolate que roubei da minha colega há poucos minutos. Minha vó falava ao telefone também.

COMO [NÃO] SER UM BABÁOnde histórias criam vida. Descubra agora