[Sexta-feira, 11 de dezembro de 2020]
Já era o meu terceiro dia como babá e eu já sentia que poderia ser pai. Só sentia mesmo, porque o desejo passava longe de mim.
Estive juntando os palitinhos ontem no ônibus, na volta para casa, e percebi que minha profissão me proporcionava mais conforto do que trabalho, pois a casa dos Sullivan era grande, confortável, e — olha o detalhe importantíssimo vindo aí, Ariel — eu poderia comer o que quisesse. A comida daqui era bem mais gostosa do que a da minha casa. Alguns nomes de doces caros, inclusive, eu mal sabia pronunciar. Toda vez que tentava ler o que estava escrito nos pacotes, me questionava se eu realmente tinha uma formação escolar.
Para que, no fim das contas, vou querer saber o nome dessas guloseimas todas? Meu estômago nem sabe ler mesmo...
Depois do comentário de Júnior anteontem, parei de dormir na casa dos Sullivan, e isso implicava que eu deveria arranjar outra maneira de ocupar meu precioso tempo. Geralmente, eu partia para o uso das redes sociais, como estava fazendo justo agora às 15h. O que, afinal, os babás fazem quando as crianças estão dormindo ou... amarradas em um porão porque não conseguem calar a boca?
— Coloca um DVD para a gente assistir? — Matheus pediu, interrompendo minha produtiva troca de mensagens nos meus grupos proibidos do meu WhatsApp. Era óbvio que eu tomava cuidado para que nenhum dos gêmeos observasse o conteúdo da tela.
Brenda veio logo atrás de Matheus e admitiu seu lugar ao lado esquerdo dele. Lá vem eles me perturbarem... Não posso mais nem ficar três horas seguidas mexendo no celular em paz. Graças a Deus, pelo menos, que Brenda deixou aquele urso satânico em seu quarto (ou em qualquer outro cômodo em que ele não pudesse me assustar).
— Tá bom. — Travei a tela do meu aparelho e o deixei na mesinha. — De que tipo de filme vocês gostam? Terror ou suspense?
Matheus riu, e duas covinhas se formaram em seu rosto. Que lindo! Parece que estou encarando uma versão nova minha.
— Nenhum desses. A gente é criança, esqueceu?
— A gente gosta de desenho — Brenda disse.
Ai, como dá trabalho ser babá. Não vejo a hora de sair daqui.
— Está bem, vamos ver o que temos aqui para vocês. — Saí do sofá, fui até a estante onde estava a TV gigante e me agachei para analisar alguns filmes à disposição. Peguei o primeiro que vi e li o título para Matheus. — Hum... "It: A Coisa". Parece bem legal. Tem até um palhaço na capa com um balão vermelho, então deve ser infantil. Vai, vamos tentar esse aqui.
Peguei o controle do aparelho DVD, pus o CD nele e configurei o necessário para ver o filme. Enquanto ele carregava, analisei a capa em minha mão direita com a mesma cautela que eu usufruía para tentar abrir a mochila de um colega meu da sala quando eu queria roubar a caixa de chocolate dele.
— Ei, espera aí... — Estreitei meus olhos para as informações na parte de trás da capa, analisando o texto um pouco abaixo do "+18". — Você não pode ver esse filme, menino.
— Por que não?
Fiquei chocado com a loucura que eu quase ia cometendo.
— Porque ele tem mais de duas horas! — Peguei o controle de novo e tirei o CD. — Não, nem pensar. Isso não. Vamos ver um mais curtinho, okay?
— Por que você não coloca "XSPB 6"? — sugeriu Brenda.
Dei uns tapinhas leves nas suas costas.
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COMO [NÃO] SER UM BABÁ
Roman d'amourSó existe uma coisa que Demétrius Esteves detesta mais do que crianças: cuidar de crianças. Para compensar o dano causado por ter arremessado o carro em um poste, ele agora precisa trilhar o que aparentemente seria o seu pior pesadelo: bancar o babá...